QUAIS SÃO OS MAIORES PROBLEMAS DA TURMA?
MUITO CONTEÚDO
SALA MAL PROJETADA
MUITA CONVERSA ENTRE ALUNOS
ASSUNTOS ALEATÓRIOS

quarta-feira, 25 de julho de 2007

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terça-feira, 5 de junho de 2007

AULAS DE IED

Brasília, 22 de março de 2007.


Instrumentos de controle social

• Moral;
• Religião;
• Regras de texto social;
• Coerção: força a serviço do Direito;
• Norma jurídica: limitação à liberdade individual;
• Normas éticas: agir social;
• Normas técnicas: fórmulas do fazer. Meios que irão capacitar o homem a atingir resultados.

Direito e religião
• Falta de conhecimento científico: suprido pela fé
• Direito: expressão da vontade divina
• Monopólio do conhecimento jurídico: classe sacerdotal
• Localização do direito: século XVIII
• Religião: sistema de princípios e preceitos
• Escala de valores a serem utilizadas
• Importância para o equilíbrio social
• O que a razão faz pelas idéias, a religião faz pelos sentimentos

Direito e moral
• Conceitos que a distinguem, mas que não se separam
• Noção de bom – constitui valor
• Estoicismo: desprendimentos, resignação, saber suportar serenamente o sofrimento
• Epicurismo: idéia de bem como prazer, dentro de uma escala de importância.
• Plena realização do homem.

Setores da moral
• Moral autônoma: noção de bem particular.
• Moral social: orientação de conduta dos indivíduos

Moral e direito
• Platão: justiça como virtude
• Aristóteles: princípio de todas virtudes
• São paulo: “non divine quod licet honestum est”

Distinções de ordem formal
• A determinação do direito e a formação correta da moral
• A bilateralidade do direito e unilateralidade da moral
• Esterioridade do direito e a interioridade da moral
• Autonomia e heteronomia
• Coercibilidade do direito é incoercibilidade da moral
Distinções quanto ao conteúdo
O direito elege valores de convivência
a moral visa ao aperfeiçoamento humano

teorias dos círculos e mínimo ético
1) teoria dos círculos concêntricos (jeremy betham): dois círculos concêntricos com um maior pertencendo a moral









2) teoria dos círculos secantes: direito e moral teriam uma faixa de competência comum ao mesmo tempo uma área particular independente.












3) visão kelseniana: a norma é o único elemento essencial ao direito.








4) teoria do mínimo ético: o direito representa o mínimo de preceitos morais necessários.

Direito e regras de trato social
• Convencionalismo sociais e usos sociais
• Padrões de conduta social, elaboradas pela sociedade

Características das regras de trato social
• Aspecto social
• Exterioridade
• Unilateralidade
• Heteronomia
• Incoercibilidade
• Sanção difusa
• Isonomia por classes e níveis de cultura.


Brasília, 29/03/2007
IED

O que é Direito? – “directus, directa, rectum”
“Derecho, Droit, Diritto, Recht, Right”.
“Ius” – arte do bom e do equitativo.

Direito como arte.
Direito como ciência (?).

Jusnaturalismo: direito que se aplica independentemente da norma. Independe da Lei.

Direito dado cultural.
• Conjunto de conhecimentos ordenados harmonicamente.
• Direito objetivo: sistema ordenado de conhecimentos.
• Direito subjetivo: faculdade que a pessoa tem de agir para obter de outrem o que entende cabível. Prerrogativas, faculdades.

Natureza, valores e cultura.
Leis naturais: princípio de causalidade, as Regras das Leis naturais, não admitem violações. Leis do Ser.
Valores: atribuição de determinadas significações, qualidades aos fatos e às coisas conhecidas.
Escala de valores
Normas éticas: comportamentos ou condutas humanas aceitáveis.
Cultura: necessidade de regras para ordenar sua convivência.

Processo de adequação social no direito
• Resultado do processo valorativo.
• Não existe Direito desligado de um contexto histórico e desgarrado da experiência.
• Não existe direito fora da sociedade.

Direito: sistema organizado de valores.
• Fato Social: valorado a cada momento histórico.

Teoria tridimensional do Direito:
• Fato Social, valor e norma

Realidade histórico cultural
Princípio dos vasos comunicantes: não há fenômeno social que possa ser tratado isoladamente.

Teoria geral
• Epistemologia: teoria da ciência. Conhecimento das condições da produção científica.
• Axiologia: ciência dos juízos. Estimação dada aos bens. Sentido não econômico.
• Dogmática jurídica: Estudo das normas. Ordenamento jurídico.
• Sociologia Jurídica: fenômenos sociais.

O DIREITO PODE SER SINÔNIMO DE JUSTIÇA?
O DIREITO É A JUSTIÇA?


IED
24/05/20007

FORMAÇÃO E MANIFESTAÇÃO DO DIREITO
Formação do conteúdo das normas jurídicas concorre todo um conjunto de fatores sociais e de valores.
Fatores sociais – representados pelo conjunto de fatores econômicos, religiosos, políticos, morais.

Fenômeno cultural
• Fator econômico
• Fator religioso
• Fator político

Manifestação do direito
• Legislação
• Costume
• jurisprudência

GÊNESE E CONCEITO DA NORMA JURÍDICA

Gênese – as normas jurídicas não são concebidas abstratamente, mas abstraídas da realidade social, da experiência humana.
Norma jurídica – é a expressão de um dever ser de organização ou de conduta. São padrões obrigatórios de conduta e organização social.
Estrutura da norma de organização - visam à estrutura e funcionamento dos órgãos do Estado, ou fixam e distribuem competências e atribuições.
Estrutura da norma de conduta - o objetivo imediato é disciplinar o comportamento dos indivíduos ou grupos sociais.

CLASSIFICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

Quanto ao conteúdo
• Normas de organização
• Normas de conduta

Quanto à extensão espacial
• Normas de direito externo
• Normas de direito interno

Quanto à vontade das partes
• Normas cogentes ou de ordem pública – ordenam ou proíbem alguma coisa de modo absoluto, sem admitir qualquer alternativa, pois vinculam o seu destinatário a um único esquema de conduta. Limitam a vontade individual.
• Normas dispositivas ou supletivas – são as que ordenando ou proibindo de modo absoluto, se limitam a dispor com uma parcela de liberdade. Estabelecem alternativa de conduta.

Quanto à sanção
• Normas mais que perfeitas – a violação determina duas conseqüências, ou seja, a nulidade do ato e aplicação de uma pena ou restrição.
• Normas perfeitas – fulminam o ato, mas não implicam qualquer sanção de ordem pessoal.
• Normas menos que perfeitas – se limitam a aplicar uma pena ou uma conseqüência restritiva, mas não privam o ato de sua eficácia.
• Normas imperfeitas – a sua violação não acarreta nem a nulidade do ato, nem outra penalidade.

Quanto à extensão pessoal
• Normas genéricas – totalidade dos indivíduos.
• Normas particulares – vinculam determinadas pessoas.
• Normas individualizadas – indivíduos singularmente considerados.
• Normas excepcionais – tratamento excepcional para determinados casos.

Quanto à aplicabilidade
• Norma auto-aplicável
• Norma dependente de complementação
• Norma pendente de regularização

Quanto à natureza das disposições
• Norma substantiva ou material – define e regula as relações jurídicas.
• Norma adjetiva ou instrumental – definem os procedimentos a serem cumpridos para efetivar a relação jurídica.

Quanto à sistematização
• Normas codificadas
• Normas consolidadas
• Normas extravagantes ou esparsas

Quanto às fontes
• Legais
• Consuetudinárias
• Jurisprudenciais
• Negociais


IED 31/05/2007

DIREITO OBJETIVO (norma agendi) – conjunto de preceitos que organiza a sociedade.
DIREITO SUBJETIVO (facultas agendi) – faculdade de agir garantida pelas regras jurídicas.
Duas esferas:
a) licitude
b) pretensão

ORDEM SOCIAL – é o direito objetivo que define os direitos subjetivos.
A existência do direito subjetivo pressupõe a antecedente existência de normas jurídicas.

DIREITO SUBJETIVO – identificado por três elementos:
a) um direito corresponde um dever jurídico;
b) esse direito é passível de violação, mediante o não cumprimento do dever jurídico pelo sujeito passivo da relação jurídica; e
c) porque o titular do direito pode exibir a prestação jurisdicional do Estado, ou seja, ter iniciativa de coerção.

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SUBJETIVOS
Dir. subjetivos públicos – direito de liberdade, de ação, de petição, de direitos políticos.
Direitos subjetivos privados – patrimoniais e não patrimoniais.
Direitos absolutos e relativos – direitos coletivos afetos a sociedade.
Direitos transmissíveis e não transmissíveis
Direitos principais e direitos acessórios
Direitos renunciáveis e não-renunciáveis

AQUISIÇÃO MODIFICAÇÃO E EXTINÇÃO DOS DIREITOS
Aquisição – determinação da LEI, ato de vontade.
Modificação
a) Subjetiva – alteração do titular ou do dever jurídico; e
b) Objetiva – transformação.
Extinção – perecimento do objeto, alienação, renúncia, prescrição e decadência.

FATOS JURÍDICOS
Espécie do gênero fato. Qualquer acontecimento que gera, modifica ou extingue uma relação jurídica. Envolve direito e dever.
Acontecimento no mundo fático a que o direito determina efeitos jurídicos.
Suposto jurídico (fato) e conseqüência (sanção).

RELAÇÕES JURÍDICAS
É a relação inter-humana, a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna jurídica.
Se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador.
Personalidade jurídica – aptidão para possuir direitos e deveres, que a ordem jurídica reconhece a todas as pessoas.
• Pessoa natural
• Pessoa jurídica
Início da personalidade – nascimento com vida.
Fim da personalidade – morte ou declaração de ausência por ato judicial.
Capacidade – aptidão reconhecida à pessoa natural para exercitar os seus direitos e deveres.
• Absoluta
• Relativa

2ª avaliação – 14 de junho
Teoria tridimensional do direito, jusnaturalismo, juspositivismo, norma jurídica, direito objetivo, direito subjetivo, relações jurídicas e fato jurídico.
SEM CONSULTA

segunda-feira, 4 de junho de 2007

MATÉRIA DA PROVA DE IED

Teoria Tridimensional do Direito

A Teoria Tridimensional do Direito é uma concepção de Direito, internacionalmente conhecida, elaborada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale em 1968, e posteriormente abordada em diversas obras.
Segundo essa teoria, o Direito se compõe de três dimensões. Primeiramente, há o aspecto normativo, em que se entende o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência. Em segundo lugar, há o aspecto fático, em que o Direito se atenta para sua efetividade social e histórica. Por fim, em seu lado axiológico, o Direito cuida de um valor, no caso, a Justiça.
Assim, o fenômeno jurídico se compõe, sempre e necessariamente, de um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); de um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, de uma norma, que representa a relação ou medida que integram os demais elementos.
a) o Direito como valor do justo: pela Deontologia Jurídica e, na parte empírica, pela Política Jurídica;
b) como norma jurídica: Dogmática Jurídica ou Ciência do Direito; no plano epistemológico, pela Filosofia do Direito;
c) como fato social: História, Sociologia e Etnologia Jurídica; Filosofia do Direito, no setor da Culturologia Jurídica.
O autor da Teoria Tridimensional definiu o Direito como "realidade histórico-cultural tridimensional, ordenada de forma bilateral atributiva, segundo valores de convivência. O Direito é fenômeno histórico, mas não se acha inteiramente condicionado pela história, pois apresenta uma constante axiológica. O Direito é uma realidade cultural, porque é o resultado da experiência do homem. A bilateralidade é essencial ao Direito. A bilateralidade-atributiva é específica do fenômeno jurídico, de vez que apenas ele confere a possibilidade de se exigir um comportamento.
Em linhas gerais, a Teoria Tridimensional do Direito formulada por Miguel Reale postula que o fenômeno direito se nos apresenta, e deve em conseqüência ser analisado, por meio de três aspectos inseparáveis e distintos entre si: o axiológico (que envolve o valor de justiça), o fático (que trata da efetividade social e histórica) e o normativo (que compreende o ordenamento, o dever-ser). Quando em estudo é tentado isolar um desses elementos, surgem as concepções jurídicas unilaterais (como o moralismo de Kant, o sociologismo de Ehrlich e o normativismo de Kelsen). Se o resultado desses estudos for apenas aglutinado num único estudo, ter-se-á o tridimensionalismo genérico e abstrato. Mas, se ao contrário, num processo de integração, esse estudo procurar correlacionar os três elementos fundantes do direito, ter-se-á o tridimensionalismo específico e concreto, englobando os problemas de fundamento, eficácia e vigência(10). Reale ainda acrescenta que esses elementos do direito se exercem influência, fazendo surgir pólos autônomos que, numa relação de dialética cultural(11), entram em conflito e, por via do elemento norma, chegam à harmonia; porém, como assinala Marcelo Neves(12), a porção normativa dessa relação de conflito não propicia a superação da tensão (entre valor e fato), ela tende sim a complicá-la.
Tendo em conta o tridimensionalismo específico, eis a definição dada por Reale: "direito é a realização ordenada e garantida do bem comum, numa estrutura tridimensional bilateral atributiva"(13). Analisemos de início o bem comum. Para Luiz Legaz y Lacambra, trata-se de um bem estabelecido a partir de relações entre as pessoas, relações cujo valor é o da realização da justiça. Por sua vez, a bilateralidade atributiva consiste na união que faz relacionarem-se dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes pretensões e estabelecendo-lhes formas de agir e de ser.

Jusnaturalismo


Direito natural é a idéia abstrata do Direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência. Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos.
O que importa é que, em todos os casos, trata-se de um direito que antecede e subordina o direito positivo de origem política/social que não deveria entrar em conflito com as regras do direito natural e, se entrar, pode perder sua validade (mesmo nesse ponto os jusnaturalistas são muito cautelosos). Nesse sentido pode se sustentar que o direito natural é imutável ao longo da história, o que rendeu à idéia do direito natural críticas do historicismo.
Os adeptos do Direito Natural são conhecidos como jusnaturalistas. Historicamente pertenceram ao jusnaturalismo pensadores católicos como Tomás de Aquino e escritores racionalistas como Hugo Grócio.
Thomas Hobbes concebe o direito natural como “a liberdade que cada homem tem de usar livremente o próprio poder para a conservação da vida e, portanto, para fazer tudo aquilo que o juízo e a razão considerem como os meios idôneos para a consecução desse fim” (Leviatã, parte 1ª, cap. XIV). Direiro Natural nasce a partir do momento que surge o Homem. Mas Hobbes considera que esse direito natural só leva à guerra de todos contra todos e à destruição mútua, sendo necessária a criação de um direito positivo, garantido pelo poder centralizado que estabelecerá regras de convívio e pacificação. Esse é um momento importante de crítica ao direito natural que será sistematicamente realizada pelos adeptos do positivismo jurídico, sendo muito clara e completa a postura crítica de Hans Kelsen em dezenas de escritos. Mesmo assim, o Direito Natural continua tendo adeptos na atualidade, como o filósofo do direito John Finnis.
Ainda, segundo Paulo Nader, os direitos naturais são princípios fundamentais de proteção ao homem, que forçosamente deverão ser consagrados pela legislação, a fim de que se tenha um ordenamento jurídico substancialmente justo. Não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Estado; é um direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem e que é revelado pela conjugação da experiência e razão. É constituído por um conjunto de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável.

A seguinte frase de Aristóteles representa o ponto principal do Jusnaturalismo: " assim como fogo que queima em todas as partes, o homem é natural como a natureza e por isso todos tem direito à defesa "

Juspositivismo



O Positivismo jurídico é a manifestação, no campo do direito, do positivismo, ou seja, da doutrina de Comte, na forma apresentada no seu Cours de pholosophie Positive. Dando grande importância à ciência no progresso do saber, restringindo o objeto da ciência e da filosofia aos fatos e à descoberta das leis que os regem, o positivismo pretendia ser a filosofia da ciência, ou seja, o coroamento do saber científico. Excluindo do seu domínio a metafísica, acabou sendo o saber fundado no fatos tout court. No domínio jurídico, pondo de lado a metafísica, definindo o direito positivo como fato, passível de estudo científico, fundado em dados reais, o positivismo jurídico tornou-se a doutrina do direito positivo. Nesse sentido tem razão Bobbio quando diz ser o positivismo jurídico a corrente do pensamento jurídico para a qual “não existe outro direito senão aquele positivo”. Consequentemente, opõe-se à Teoria do Direito natural, bem como a todas as formas de metafísica jurídica. Por isso, a identificação até o século XIX, da Filosofia do Direito com a Filosofia do Direito Natural, obrigou os positivistas a substituírem-na pela Teoria Geral do Direito, idealizada pelos alemães, ou pela Analytical Jurisprudence, do inglês Austin, formuladas com base no direito positivo. Fora da experiência, do fato ou do direito positivo, direito algum existe para o Positivismo Jurídico, que se caracteriza por identificar o direito positivo com o direito estatal ( legislado ou jurisprudencial), considerando a experiência jurídica a única fonte do conhecimento jurídico; por se antijusnaturalista, negando natureza jurídica ao direito natural; por ser antijusracionalista, negando o poder legislativo da razão, encontrando somente na vontade do legislador ou do juiz, manifestada na sentença, a fonte imediata do direito, e por afastar os valores e o direito natural da ciência jurídica e da filosofia do direito, reduzida à síntese dos resultados da ciência do direito. Identificando o direito com a lei ou com o código, com os precedentes judiciais, ou ainda, com o direito estatal, escrito ou não escrito, o positivismo jurídico resultou, na França, no culto da vontade do legislador e dos códigos, considerados sem lacunas. Desse culto resultou a escola de exegese, apegada aos textos, defendendo a subordinação do juiz à vontade do legislador. Já o positivismo jurídico alemão, acolhendo as lições do historicismo jurídico, não se preocupou com as relações do direito com o legislador, mas em delinear a teoria do direito positivo, que, partindo dos direitos históricos, acabasse formulando as noções jurídicas fundamentais. A Teoria Geral do Direito, cujos conceitos básicos são devidos aos pandecistas alemães (jurista alemães, especializados em direito romano), entendida como teoria geral do direito positivo, resultou do emprego da metodologia cientifica ao direito. Já o positivismo jurídico inglês, reduzindo o direito aos costumes, aos precedentes judiciais e à lei, independente de sua eticidade, de serem justas ou injustas as suas prescrições, caracteriza-se também, principalmente com Austin (jurista inglês), por ser a análise e a sistematização do direito positivo, com o objetivo de formular os conceitos jurídicos fundamentais. Por isso, diz-se ser a Analytical Jurisprudence de Austin, afastada dos “juízos de valor”, tendo por objeto o direito positivo, o embrião da Teoria Pura do Direito de Kelsen. Aliás, uma das obras de Austin denomina-se Philosophy of Positive Law.

No positivismo jurídico enquadram-se todas as teorias que consideram expressar o direito a vontade do legislador, definindo-o como comando e reduzindo-o ao direito do Estado. Esse positivismo tem sido rotulado de positivismo estatal ou positivismo normativista, por dar preponderância à lei sobre as demais fontes do direito ou ao precedente judicial e por fazer depender o direito do Estado. Para essa versão do positivismo, o direito é identificado com o direito estatal: é o criado ou reconhecido pelo Estado, manifestação, portanto, de sua vontade.

O positivismo se caracteriza, portanto, por ser antimetafísico e antijusnaturalista, por ser empirista, por afastar do estudo científico do direito os valores e por considerar o direito positivo o único objeto da Filosofia e Ciências jurídicas. As várias formas de positivismo encontram no fato social, na autoridade, nas razões de Estado, no poder ou nas necessidades decorrentes das relações humanas o fundamento do direito.

Normas Jurídicas

A norma jurídica, disciplinadora dos modos de conduta interessantes ao convívio social, é a expressão formal do Direito, e o conjunto das normas jurídicas forma o ordenamento jurídico, ensina Arnaldo Vasconcelos, jurista, professor universitário, funcionário aposentado do Banco do Nordeste, autor de “TEORIA DA NORMA JURÍDICA”.
Conceito
Sistema hierárquico de normas, o Direito leva as pessoas a se ligarem, comprometendo-se entre si, quer dizer, obrigando-se mutuamente. A norma enuncia e veicula o Direito, um sistema de limites, porquanto “as normas jurídicas são normas de delimitação de interesses, fixando o limite entre o direito e não-direito”.
A norma jurídica alcança o campo da legalidade (campo da previsão da lei, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), da ilicitude (conduta reprimida por sanção) e da licitude (campo além da faixa de legalidade, indefinido e ilimitado). O mundo do direito coincide com o mundo da sociabilidade.
Natureza
A norma é, antes de tudo, norma ética. A norma ética abrange a norma jurídica (legal, consuetudinária, jurisprudencial e doutrinária), com sanção institucionalizada e coação, e a norma moral, com sanção apenas social e interior.
Após interpretar a teoria da imperatividade da norma jurídica, a teoria da norma como coatividade ou coação e outras doutrinas, Arnaldo Vasconcelos demonstra a norma como juízo disjuntivo, posição defendida por Carlos Cossio, e a norma como juízo de estrutura trivalente, na forma preconizada por Miguel Reale.
Para Cossio, a norma expressa-se na forma de um juízo disjuntivo: como deve acontecer uma coisa (mundo lícito) ou, em caso contrário (mundo ilícito), a sanção.
Para Reale, a norma comporta a previsão de um fato, e esse fato, pelo seu valor, determina uma consequência. A norma é a integração de fato e valor, e ela encerra valores a serem preservados.
O Direito envolve três aspectos básicos: normativo (o Direito como ordenamento); fático (o Direito como fato) e axiológico (o Direito como valor de Justiça).
Norma, fato e valor são os três elementos da tridimensionalidade do Direito, de acordo com Miguel Reale, doutrinador da Teoria da Tridimensionalidade do Direito. Inexistem separados. Coexistem numa unidade concreta, completa Reale.
São características da essência da norma, segundo Reale: o caráter “imperativo” (a obrigatoriedade da norma) e o caráter “hipotético” (previsão de fatos).
Fundamento
“A norma tinge o fato, juridicizando-o, e tem-se, então, o fato jurídico”, explica Arnaldo Vasconcelos. Ele complementa: só há Direito a partir da norma, e não há Direito fora da norma jurídica.
O fundamento da norma jurídica é dado pela razão de justiça, afirma Arnaldo Vasconcelos.
Ele examina todas as principais formulações doutrinárias sobre o fundamento da norma jurídica: as teorias teocráticas (a norma expressão da vontade de Deus), jusnaturalista (a norma como expressão do Direito Natural, ou o sentimento de aspiração de justiça sempre presente no homem), contratualista (a norma como resultado do contrato social ou da vontade geral) e neocontratualista (a norma como adesão a seu preceito ou expressão de reconhecimento), histórica (a norma como expressão do costume e do espírito do povo), sociológica (a norma como produto natural das condições da vida social) e normativistas (a norma como objeto da Ciência do Direito e separada dos elementos metajurídicos).
Características
As normas têm três características ou propriedades, de acordo com Arnaldo Vasconcelos: a bilateralidade (a norma tem dois lados: alguém dispõe, os demais obedecem); a disjunção (o dever-ser ou a sanção pelo descumprimento do dever-ser) e a sanção (a pena para o ato ilícito).
Os elementos da generalidade, da abstratividade, da coatividade (tem apenas caráter aleatório no Direito), da imperatividade (a norma não expressa relação entre legislador e súditos) e da permanência (incompatibilidade com o progresso social) não se prestam à caracterização das normas jurídicas.
Classificação
Arnaldo Vasconcelos apresenta uma seleção de classificações das normas jurídicas: quanto à destinação (Direito, previsão normativa, e Sobredireito, normas sobre normas, normas de caráter público ou social); quanto ao modo de existência (normas explícitas, ou Direito expresso, e normas implícitas, supridoras das lacunas do Direito expresso); quanto à fonte (a lei, o costume, a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais de Direito); quanto à matéria (normas de Direito Público, normas de Direito Privado e normas de Direito Social).
Legitimidade
“Onde houver norma jurídica, há Direito a observar”, ensina Arnaldo Vasconcelos.
Ele avalia a norma jurídica sob o aspecto da validade formal, instâncias de validade, e sob o aspecto da validade material, ou instâncias de valor (a norma obriga não somente porque é válida, mas também porque tem valor).

As instâncias de validade são: a juridicidade (relações intersubjetivas); a positividade (o direito posto e a exigibilidade do preceito normativo); a vigência (dimensão temporal da norma); eficácia (validade social, a constância na aplicação da norma).

As instâncias de valor são: justiça (o mérito de o Direito positivo possuir valor); legitimidade (a norma precisa ser justa e legítima, poder com autoridade).

“Onde há homens agrupados, há Direito”. Todo grupo social pressupõe, para a sua manutenção e desenvolvimento, organização interna e estrutura de poder. O poder para impor-se necessita ter autoridade, isto é, ser legítimo, e o poder legítimo (poder com autoridade ou poder autorizado) se situa entre dois pólos equidistantes: a anarquia (cada um faz sua lei) e o despotismo (a lei de um para todos).

Somente o poder legítimo pode outorgar normas jurídicas com presunção de justiça e de legitimidade, ou seja, normas justas e legítimas justificadoras da obrigatoriedade jurídica.
As normas das associações de malfeitores (mafiosos) revelam nota de validade formal e podem conter certo grau de justiça, mas lhes falta a legitimidade (poder autorizado).

O Direito é criação do Estado, e a soberania é a fonte única e exclusiva de produção do Direito, diz a doutrina monista jurídica O Direito positivo se resume ao sistema jurídico do Estado.
O ordenamento jurídico abrange, além do sistema estatal, vários outros sistemas criados pelas sociedades e cidadãos, como a Igreja, o sindicato e o clube esportivo, diz a doutrina pluralista jurídica (pluralidade de Direito positivo).
O poder de criação normativa não é originário nem exclusivo do Estado. O Direito antecede o Estado e o institui. A instituição do Estado é ato jurídico, e representa a transferência pela sociedade ao Estado do máximo de poder, a fim de o Estado assumir a criação do Direito, zelar por sua integridade e garantir o seu cumprimento.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, diz o artigo 1º, parágrafo único, da CF).
O Estado se converte em juiz da legalidade, e o povo fica como árbitro supremo da legitimidade.
As pessoas se obrigam juridicamente impelidas pelo sentimento de justiça e pela crença na legitimidade das normas de Direito.
No plano do “dever-ser”, o jurídico, o justo e o legítimo são os elementos tridimensionais do Direito, segundo Arnaldo Vasconcelos.

Direito objetivo e subjetivo – Conceito

Direito objetivo e subjetivo são conceitos que não se excluem, mas coexistem concomitantes. O direito objetivo, genérico e abstrato, incide sobre todos, e o titular do direito tem a faculdade, a prerrogativa de exercê-lo ou não. Direito objetivo, ou norma agendi corresponde ao “law” dos ingleses, ao “Recht”; dos alemães; direito subjetivo ou facultas agendi ao “Right” dos anglos, ao “Gesetz” dos germânicos.
Se o direito objetivo estabelece, por exemplo, que eu tenho o direito ao casamento, não está me obrigando a tal ato, não fixa uma sanção pelo seu não exercício e nem vincula o meu direito a uma obrigação de terceiro. Eu tenho o “direito” de casar, mas ninguém pode obrigar-me ao matrimônio. Se assim é, como pretender coagir o cidadão a votar? Ele tem direito (facultas agendi, right) de votar, a faculdade de fazê-lo.

Direito Objetivo

É um conjunto de normas que regem o comportamento humano, prescrevendo uma sanção em caso de sua violação. É a regra social obrigatória imposta a todos, quer seja sobre a forma de lei ou mesmo sob a forma de um costume, que deva ser obedecido, é a norma agendi, reguladora de todas ações do homem, em suas múltiplas manifestações e de todas as atividades das instituições políticas, ou públicas, e particulares, opõe-se ao Direito Subjetivo que, embora fundado nele, revela se o poder e faculdade outorgados às pessoas e às instituições, para que possam defender as relações jurídicas, de qualquer ordem, que afetam a seu patrimônio ou a sua própria existência, quando ameaçados ou turbados.
Direito (conjunto de normas jurídicas- regras e princípios), é o conjunto dos preceitos impostos a todos os homens pelas necessidades da manutenção da ordem social. Consiste a Tutela na formulação de Regras gerais e abstratas, abrangendo de determinada(as) categoria(s)de interesses, da conduta das pessoas em face destes, antecipando-lhes qual delas será protegida pelo Estado, em caso de conflito.
A Filosofia do Direito lega-nos ensinamentos que nos conduzem a compreender, em tempo e espaço, a linha de pensamento que se desenvolve e, permite-nos que desenvolvamos as nossas considerações. Assim, a considerarmos o estudioso francês, Montesquieu, quando definiu que Leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas, legou-nos ensinamento de que as leis são relações necessárias e que têm diversas naturezas que as produzem. Assim, quando Caio Mário da Silva Pereira, em suas Instituições de Direito Civil, diz que "Leis são princípios de adequação do homem à vida social", teve o grande civilista brasileiro a sua consideração de que "Leis são princípios". E assim, indagar-se-íamos se leis são princípios ou se derivam da natureza que são os seus princípios, segundo Montesquieu. E de tal forma, quando vemos a Teoria da Tridimensionalidade do Direito, do brasileiro, Jusfilósofo, Miguel Reale, considerou ele o fato, o valor e a norma, aí, demonstrou que a norma (lei) tinha conteúdo inseparável, como sendo o fato e o valor (Filosofia do Direito-Miguel Reale). Assim, interessa-nos conduzir o leitor às específicas literaturas jurídicas a que nos referimos, para encontrar o presente assunto, com a riqueza que seus autores as conceberam. Depois desse intróito, falar das subcategorias que são as disposições didático-pedagógicas que disciplinam as leis e as condificam, passa a ser compreendidas, com menor esforço.
Conjunto de todas as normas jurídicas de um Estado
É o gênero pelo qual o Direito Positivo ou as normas jurídicas emanadas do Estado. São normas de Direito Objetivo: a Constituição, a lei, o decreto, a circular, a portaria e outros tantos atos administrativos. As cláusulas de um contrato são normas de Direito Privado, sendo pois normas individuais, pois não derivam diretamente do Estado, mas sim da vontade dos particulares. O Direito Positivo, assim denominado porque é o que provém diretamente do Estado (do latin jus positum: imposto que se impõe), vem a ser também, como oportunamente acentua Goffredo Telles Jr., "a base da unidade do sistema jurídico nacional". Enfim, todo Direito Positivo é Direito Objetivo, mas nem todo Direito Objetivo é Direito Positivo (Telles Jr., Goffredo, O Direito Quântico, São Paulo: Max Limonad).
O Direito Objetivo traça as normas de conduta que todos devem observar, a fim de que haja ordem e segurança nas relações sociais. Os que obedecem a essas normas e desenvolvem suas atividades dentro das características culturais por elas traçadas ficam sob a proteção do seu direito. Tal pode conferir pelo Direito para a realização de interesses humanos é o que constitui o Direito Subjetivo como descrito no livro "Introdução ao Direito 6a edição", especificamente na página 143.
A norma de Direito Objetivo tem como uma de suas características ser genérica, isto é, não se aplica a ninguém em particular, mas apenas àqueles que, socorrendo-se do preceito que encerra, encontram nela guarida à sua pretensão.
Direito Subjetivo

É o poder de exigir ou pretender de outrem determinado comportamento, positivo (ação) ou negativo (omissão), ou de, por um ato livre de vontade, de per si ou integrado por uma autoridade pública (sentença judicial), produzir determinados efeitos que inevitavelmente afetam a esfera jurídica alheia.
Nesta definição encontramos as noções de direito subjetivo propriamente dito (stricto sensu) e a de direito potestativo. Em relação ao primeiro, temos que, numa relação jurídica, o sujeito ativo tem um direito ao qual corresponde, no lado passivo, um dever jurídico. Este dever jurídico dá a liberdade ao seu titular de não o cumprir, expondo-se, contudo, às respectivas sanções. Já quanto ao direito potestativo, o seu titular, para o exercer plenamente, terá que afetar a esfera jurídica do sujeito passivo da relação, independentemente da vontade deste.
Num sentido a que podemos chamar externo, descritivo ou sociológico, o direito é um complexo de interações, representações, normas e processos sociais, bem como de produção cultural, respeitantes, conforme as áreas e as orientações teóricas, à imposição e permissão de comportamentos, à criação, prevenção e resolução de litígios, à generalização de expectativas de comportamento, à repressão e punição explícitas de comportamentos não aceites, ao exercício do poder político que se arroga legítimo, à explicitação de um sistema de dominação, etc.. Este sentido da palavra «direito» corresponde àquilo a que H.L.A.Hart chamou a perspectiva externa do direito. A perspectiva externa não interessa só à Sociologia do direito e à Antropologia do direito, mas também à História do direito e ao Direito Comparado e inclusive, por vezes (embora limitadamente), a algumas profissões jurídicas, como os advogados. Neste sentido externo, a normatividade do direito significa que este corresponde a uma dicotomia entre espaços de pressão social explícita, que se impõem a cada indivíduo, e espaços em que essa pressão não existe.
O sentido da palavra «direito» a que podemos chamar interno ou judicativo (muitas outras designações são possíveis, variando conforme as orientações metodológicas ou jurídico-filosóficas e os entendimentos gerais sobre o direito) é o sentido que interessa especialmente aos juristas, sobretudo na perspectiva modelar que é a do juiz. Esta perspectiva interna (na mesma distinção de Hart) é também a dos juristas académicos e dos advogados (na maioria das situações), e a da generalidade dos práticos do direito. Aqui, procura saber-se quais as soluções para os problemas jurídicos ou, noutra leitura, quais as normas jurídicas que devem ser tidas por válidas. Assim, e de acordo com os dois principais grupos de correntes da teoria do direito, este é o conjunto das normas jurídicas válidas (ou vigentes) ou a totalidade das soluções de problemas jurídicos.

Relações Jurídicas

Tanto o titular do direito subjetivo, como o sujeito do dever jurídico, vinculam-se em decorrência da qualificação do fato jurídico pela norma de direito objetivo.
Esse vínculo intersubjetivo (entre sujeitos), decorrente de um determinado fato jurídico (fato(s) do mundo qualificado(s) pela norma jurídica), e do qual ressaem direitos subjetivos e deveres jurídicos aos sujeitos vinculados, é o que se denomina relação jurídica.
Relação jurídica, pois, é o vínculo intersubjetivo, decorrente da incidência da norma jurídica sobre o suporte fático, gerador de direitos subjetivos e deveres jurídicos aos sujeitos da relação. A relação jurídica apresenta os seguintes elementos estruturais:
• fato jurídico gerador (ou propulsor), decorrente da incidência da norma jurídica ao suporte fático por ela considerado;
• sujeitos ativo e passivo (evitar o binômio credor/devedor), que são os titulares, respectivamente, da vantagem a da desvantagem decorrente da relação jurídica; objeto, ou conteúdo, que é o feixe de direitos subjetivos e deveres jurídicos conferidos ao sujeito.
A despeito da multiplicidade teórica sobre o tema, é possível enquadrar todo e qualquer direito subjetivo (e o seu correlato dever jurídico) no construto acima.
A maioria das situações não trará qualquer dificuldade de encerramento sob a estrutura de uma relação jurídica. É o que ocorre, p.ex., quando o fato gerador é um ato jurídico (um contrato, por exemplo), na qual é possível não só definir facilmente os sujeitos da relação, como o seu conteúdo (os direitos e deveres dela decorrentes).
Todavia, noutras situações (ex., direito fundamental à vida, ou o direito de propriedade), o enquadramento em uma estrutura relacional pode apresentar-se mais complicado à primeira vista.
Nesses casos, deve se atentar ao fato de que os sujeitos de uma relação jurídica são, a mais das vezes, determináveis e não determinados. É o que acontece com os denominados direitos absolutos, nos quais a vantagem, conferida a um dos sujeitos, contrapõe-se erga omnes, i.e., a todos os outros indivíduos da sociedade. Assim, se sou proprietário de uma casa, tenho sobre ela o domínio, i.e., o direito de propriedade. A vantagem, que me é conferida pelo Direito, é a de usar, gozar, fruir e dispor da coisa que é minha. A desvantagem, nesse caso, deverá ser suportada por todos os demais sujeitos: a de não admoestar o proprietário no exercício de seu direito (dever jurídico de abstenção). Nesse caso, o sujeito passivo da relação jurídica de propriedade compreende todos os demais sujeitos (sujeito passivo universal), afora o sujeito ativo do direito. O sujeito passivo, até então determinável, só poderá ser determinado no momento em que alguém deixar de adotar a atitude passiva de abstenção, e admoestar o direito do dono. O mesmo se dá com os direitos fundamentais, como o direito à vida, que surge desde o momento em que o sujeito se insere na sociedade regulada pelo ordenamento jurídico (seja pelo nascimento, seja pela naturalização).
O que ocorre com os direitos absolutos é problema de mera determinação do sujeito passivo – visto que, ao contrário dos direitos relativos, a relação que contém um direito absoluto depende de evento futuro (a lide) para que seja possível a exata determinação de seus sujeitos integrantes. Mas isso, evidentemente, não retira a verdade, universalmente aceita aliás, segundo a qual todo direito subjetivo deriva de relação entre duas ou mais pessoas que se vinculam em relação jurídica, ante a incidência da norma de Direito Objetivo sobre um fato jurídico por ela previsto abstratamente. E, de fato, a compreensão exata do conceito de relação jurídica, sob os moldes ora delineados, será fundamental à compreensão de outros conceitos jurídicos fundamentais à teoria geral do direito e à teoria geral do processo como o de lide, pretensão e ação, a que remetemos.

Fato jurídico


É todo acontecimento, voluntário ou involuntário (natural), relacionados com a vida humana, que produzem conseqüências jurídicas (gerar direitos, modificá-los ou extingui-los). Pode decorrer da natureza (acontecimento involuntário), ou seja, se produz independentemente da vontade humana como, por exemplo, o nascimento, que dá início a personalidade; ou pode decorrer da ação humana (voluntário), ou seja, é produzido pela vontade do homem, por exemplo, compra e venda de um carro.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Conceitos de Webber

Max Weber – Vida e Obra
Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; operadas pela Revolução Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho metodológico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana. De acordo com a distinção entre experiência externa e experiência interna, poder-se-ia distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático.
As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.
Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.
Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.
Uma educação humanista apurada
Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas, história e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à economia, à história, à filosofia e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo. Em 1893, casou-se e; no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicas na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920.
Compreensão e explicação
Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito jeito ou sujeitos jeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.
O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.
Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente., outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível; Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular.
O legal e o típico
O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. A ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais.
A conceituação generalizadora, como revela a própria expressão, retira do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos de uma mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto é de natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo com os traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o que não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação generalizadora considera o fenômeno particular como um caso cujas características gerais podem ser deduzidas de uma lei.
A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim. Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por várias propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não recupera os fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma articulação significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de contrastação”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador.
No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da realidade, ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contrastação conceituai que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores, seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores irracionais.
Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os mais adequados.
Uma vez de posse desses instrumentos analíticos, formulados para a explicação da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma porção dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos, estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a análise das inter-relações entre os fenômenos sociais. De acordo com o vocabulário weberiano, são quatro os tipos de ação que cumpre distinguir claramente: ação racional em relação a fins, ação racional em relação a valores, ação afetiva e ação tradicional. Esta última, baseada no hábito, está na fronteira do que pode ser considerado como ação e faz Weber chamar a atenção para o problema de fluidez dos limites, isto é, para a virtual impossibilidade de se encontrarem “ações puras”. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ação social orienta-se exclusivamente conforme um ou outro dos quatro tipos. Do mesmo modo, essas formas de orientação não podem ser consideradas como exaustivas. Seriam tipos puramente conceituais, construídos para fins de análise sociológica, jamais encontrando-se na realidade em toda a sua pureza; na maior parte dos casos, os quatro tipos de ação encontram-se misturados. Somente os resultados que com eles se obtenham na análise da realidade social podem dar a medida de sua conveniência. Para qualquer um desses tipos tanto seria possível encontrar fenômenos sociais que poderiam ser incluídos neles, quanto se poderia também deparar com fatos limítrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez só pode ser claramente percebida quando os próprios conceitos tipológicos não são fluidos e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro. Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos fenômenos sociais permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo, raramente podem ser classificados de forma rígida.
O sistema de tipos ideais
Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.
Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.
O capitalismo é protestante?
As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo do século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a sociologia da religião, mais exatamente suas interpretações sobre as relações entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização econômica correspondentes, por outro.
Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos três volumes de sua Sociologia da Religião. A linha mestra dessa obra é constituída pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu desenvolvimento histórico. Esse problema já se tinha colocado para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, além de seu caráter teórico, constituía elemento fundamental para a lufa econômica e política dos partidos operários; por ele mesmo criados. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o materialismo histórico formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religião. Inúmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema, substituindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político. Alguns autores, como Wilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a influência das idéias e das convicções éticas como fatores determinantes, e chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem uma mudança espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo, somente com os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx.
A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”.
A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de hipóteses referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando detidamente esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos históricos, e chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, sempre teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias situações externas na história e na política.
Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exercido na gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o que entende por "espírito do capitalismo". Este é entendido por Weber como constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706 - 1790), um dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do espírito pequeno-burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Segundo a interpretação dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida.
A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos fatores que teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que, anteriormente ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas tolerada. O conceito de vocação como valorização do cumprimento do dever dentro das profissões seculares Weber encontra expresso nos escritos de Martinho Lutero (1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de todos os ramos do protestantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação teria permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem divina à qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético, segundo Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O luteranismo, portanto, não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo.
Weber volta-se então para outras formas de protestantismo diversas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a seu Deus, ó que, na prática, significava a racionalização do mundo e a eliminação do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo, somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o estado natural, e foi essa racionalização que deu à fé reformada uma tendência ascética.
Com o objetivo de relacionar as idéias religiosas fundamentais do protestantismo com as máximas da vida econômica capitalista, Weber analisa alguns pontos fundamentais da ética calvinista, como a afirmação de que “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida”. Outra idéia no mesmo sentido estaria contida na máxima dos puritanos, segundo a qual “a vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu estado de graça para sua consciência, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que ele consiga cumprir sua vocação”. Por meio desses exemplos, Weber mostra que o ascetismo secular do protestantismo “libertava psicologicamente a aquisição de bens da ética tradicional, rompendo os grilhões da ânsia de lucro, com o que não apenas a legalizou, como também a considerou como diretamente desejada por Deus”. E m síntese, a tese de Weber afirma que a consideração dó trabalho (entendido como vocação constante e sistemática) como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem deve ter sido a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida constituída pelo espírito do capitalismo.
É necessário, contudo, salientar que Weber, em nenhum momento considera o espírito do capitalismo como pura conseqüência da Reforma protestante. O sentido que norteia sua análise é antes uma proposta de investigarem que medida as influências religiosas participaram da moldagem qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber propõe-se também a compreender melhor o sentido do protestantismo, mediante o estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômica capitalista. Tendo em vista a grande confusão existente no campo das influências entre as bases materiais, as formas de organização social e política e os conteúdos espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências só poderiam ser. confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos em que realmente teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso e a ética vocacional, Com isso “se poderá avaliar” - diz o próprio Weber – “em que medida os fenômenos culturais contemporâneos se originam historicamente em motivos religiosos e em que medida podem ser relacionados com eles”.
Autoridade e legitimidade
A aplicação da metodologia compreensiva à análise dos fenômenos históricos e sociais, por parte dê Weber, não sê limitou às relações entre o protestantismo ê o sistema capitalista. Inúmeros foram seus trabalhos dê investigação empírica sobre assuntos econômicos ê políticos. Entre os primeiros, salientam-se A Situação dos Trabalhadores Agrícolas no Elba ê A Psicofisiologia do Trabalho Industrial. Entre os segundos, devem ser ressaltadas suas análises críticas da seleção burocrática dos líderes políticos na Alemanha dos Kaiser Guilherme I e II ê da despolitização levada a cabo com a hegemonia dos burocratas. Para a teoria política em geral, contudo, foram mais importantes os conceitos ê categorias interpretativas que formulou e que se tornaram clássicos nas ciências sociais.
Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como “qualquer tipo dê liderança independente em ação”. No sentido restrito, política seria liderança dê um tipo dê associação específica; em outras palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido por Weber como “uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território". Definidos esses conceitos básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais quê constituem o Estado ê assim chega ao conceito dê autoridade ê dê legitimidade. Para quê um Estado exista, diz Weber, é necessário quê um conjunto dê pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pêlos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para quê os dominados obedeçam é necessário quê os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.
A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos básicos: a racional-legal, a tradicional e a carismática. Esses três tipos dê autoridade correspondem a três tipos dê legitimidade: a racional, a puramente afetiva e a utilitarista. O tipo racional-legal tem como fundamento a dominação em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez, em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma dê estrutura burocrática, amplamente analisada por Weber.
A autoridade tradicional é imposta por procedimentos considerados legítimos porquê sempre teria existido, e é aceita em nome de uma tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é definido por um sistema dê status, cujos poderes são determinados, em primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional ê, em segundo lugar, pela autoridade dê outras pessoas que estão acima dê um status particular no sistema hierárquico estabelecido. Os poderes são também determinados pela existência dê uma esfera arbitrária de graça, aberta a critérios variados, como os de razão de Estado, justiça substantiva, considerações dê utilidade e outros. Ponto importante é a inexistência de separação nítida entre a esfera da autoridade e a competência privada do indivíduo, fora de sua autoridade. Seu status é total, na medida em que seus vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no Estado racional-legal.
Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta uma subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo administrativo: gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem um indivíduo, nem um grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade independentemente do controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas funções são tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as prerrogativas pessoais do "chefe" são muito mais extensas e parte considerável da estrutura da autoridade tende a se emancipar do controle da tradição.
A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com a evolução do corpo administrativo, ou racional-legal ou tradicional, em algumas de suas configurações básicas.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Hans kelsen - Teoria Pura do Direito

http://www.esnips.com/doc/357a3999-965a-419a-a656-e1f6118e30b8/Hans-kelsen---Teoria-Pura-do-Direito

DO SOCIALISMO UTÓPICO AO SOCIALISMO CIENTÍFICO - FRIEDRICH ENGELS

http://www.esnips.com/doc/e616654c-61b4-498b-9539-07901d087251/1668---DO-SOCIALISMO-UTÓPICO-AO-SOCIALISMO-CIENTÍFICO---FRIEDRICH-ENGELS

A ética protestante e o espírito do capitalismo

http://www.esnips.com/doc/56fb356f-1874-4d71-b274-b0ce5d2c9143/etica_protestante_e_espirito_do_capitalismo

IED - 29/03/2007

Brasília, 29/03/2007
IED

O que é Direito? – “directus, directa, rectum”
“Derecho, Droit, Diritto, Recht, Right”.
“Ius” – arte do bom e do equitativo.
Direito como arte.
Direito como ciência (?).
Jusnaturalismo: direito que se aplica independentemente da norma. Independeda Lei.
Direito dado cultural.
Conjunto de conhecimentos ordenados harmonicamente.
Direito objetivo: sistema ordenado de conhecimentos.
Direito subjetivo: faculdade que a pessoa tem de agir para obter de outrem o que entende cabível. Prerrogativas, faculdades.
Natureza, valores e cultura
Leis naturais: princípio de causalidade, as Regras das Leis naturais, não admitem violações. Leis do Ser.
Valores: atribuição de determinadas significações, qualidades aos fatos e às coisas conhecidas.
Escala de valores
Normas éticas: comportamentos ou condutas humanas aceitáveis.
Cultura: necessidade de regras para ordenar sua convivência.
Processo de adequação social no direito. Resultado do processo valorativo.
Não existe Direito desligado de um contexto histórico e desgarrado da experiência. Não exite direito fora da sociedade.
Direito: sitema organizado de valores.
Fato Social: valorado a cada momento histórico.
Teori tridimensional do Direito:
Fato Social, valor e norma
Realidade histórico cultural
Princípio dos vasos comunicantes: não há fenômeno social que possa ser tratado isoladamente.
Teoria geral
Epistemologia: teoria da ciência. Conhecimento das condições da produção científica.
Axiologia: ciência dos juízos. Estimação dada aos bens. Sentido não econômico.
Dogmática jurídica: Estudo das normas. Ordenamento jurídico.
Sociologia Jurídica: fenômenos sociais.
O DIREITO PODE SER SINÔNIMO DE JUSTIÇA?
O DIREITO É A JUSTIÇA?

IED - 22/03/2007

Brasília, 22 de março de 2007.


Instrumentos de controle social

Moral;
Religião;
Regras de texto social;
Coerção: força a serviço do Direito;
Norma jurídica: limitação à liberdade individual;
Normas éticas: agir social;
Normas técnicas: fórmulas do fazer. Meios que irão capacitar o homem a atingir resultados.

Direito e religião
Falta de conhecimento científico: suprido pela fé
Direito: expressão da vontade divina
Monopólio do conhecimento jurídico: classe sacerdotal
Localização do direito: século XVIII
Religião: sistema de princípios e preceitos
Escala de valores a serem utilizadas
Importância para o equilíbrio social
O que a razão faz pelas idéias, a religião faz pelos sentimentos

Direito e moral
Conceitos que a distinguem, mas que não se separam
Noção de bom – constitui valor
Estoicismo: desprendimentos, resignação, saber suportar serenamente o sofrimento
Epicurismo: idéia de bem como prazer, dentro de uma escala de importância.
Plena realização do homem.

Setores da moral
Moral autônoma: noção de bem particular.
Moral social: orientação de conduta dos indivíduos

Moral e direito
Platão: justiça como virtude
Aristóteles: princípio de todas virtudes
São paulo: “non divine quod licet honestum est”

Distinções de ordem formal
A determinação do direito e a formação correta da moral
A bilateralidade do direito e unilateralidade da moral
Esterioridade do direito e a interioridade da moral
Autonomia e heteronomia
Coercibilidade do direito é incoercibilidade da moral

Distinções quanto ao conteúdo
O direito elege valores de convivência
a moral visa ao aperfeiçoamento humano

teorias dos círculos e mínimo ético
1) teoria dos círculos concêntricos (jeremy betham): dois círculos concêntricos com um maior pertencendo a moral







2) teoria dos círculos secantes: direito e moral teriam uma faixa de competência comum ao mesmo tempo uma área particular independente.





3) visão kelseniana: a norma é o único elemento essencial ao direito.




4) teoria do mínimo ético: o direito representa o mínimo de preceitos morais necessários.


Direito e regras de trato social
Convencionalismo sociais e usos sociais
Padrões de conduta social, elaboradas pela sociedade

Características das regras de trato social
Aspecto social
Exterioridade
Unilateralidade
Heteronomia
Incoercibilidade
Sanção difusa
Isonomia por classes e níveis de cultura.

FILOSOFIA - 26/03/2007

Brasília, 26 de março de 2007.
Filosofia

Lógica
Instrumento que viabiliza as regras do pensamento correto; ciência da demonstração.
Dialética platônica (Aristóteles)

Dois mundos:
Sensível (sombra do mundo verdadeiro/luta dos contrários)
Inteligível (mundo verdadeiro/essências/idéias)

Como passar do sensível ao inteligível?
Método dialético (passa dos contrários às essências)

Lógica aristotélica
Instrumento para as ciências
Princípio da identidade - categorização
Realidade estatística
Órganon: instrumento para pensar corretamente
Objeto da lógica: proposição (termo)
Ex.: “todo homem que rouba é ladrão” (premissa maior)
“joão roubou” (premissa menor)
Logo, João é ladrão.” (conclusão)

Três operações da mente
Conceito
Juízo
Raciocínio (inferência mediata)

Argumentação:
Dedução
Indução
Analogia

Dedução (silogismo = ligação)
Parte do geral para o particular
Constituído:
Premissa maior
Premissa menor
Conclusão

Ex.: dedução: “todos os homens tem direito à vida e a liberdade.” (maior)
“os índios são homens.” (menor)
“os índios tem direito a vida e a liberdade.” (conclusão)

Indução
Parte do particular para o geral
Próxima da probabilidade

Analogia
Semelhança
Probabilidade

Sofismas (falácia)
Falsos raciocínios com aparência de verdade

Intuição
Conhecimento imediato
Ponto de partida do conhecimento (possibilidade de invenção)

Lógica pós-aristotélica

CONCEITO APREENSÃO DA REALIDADE PELA FORMAÇÃO DE IDÉIAS.
JUÍZO COMPOSIÇÃO ENTRE OS CONCEITOS FORMULANDO AFIRMAÇÕES OU NEGAÇÕES.
RACIOCÍNIO OU ARGUMENTAÇÃO A PARTIR DO QUE SE CONHECE FORMULAM-SE CONCLUSÕES.

sexta-feira, 9 de março de 2007

INTRODUÇÃO À DITADURA MILITAR - TRABALHO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Jânio Quadros – A decepção da classe média

Foi como um meteoro. De obscuro professor de ginásio no subúrbio, passando por vereador que só ocupou a cadeira depois que o PCB foi cassado, em seguida prefeito, governador de São Paulo e finalmente presidente da República do Brasil: Jânio da Silva Quadros (1917 - 1992) . Um fenômeno.
Em 1960, o Brasil estava que nem galinha de macumba: na encruzilhada. Conseguiríamos nos desenvolver mesmo, ou os problemas graves eram o sinal da crise? Então, para muita gente, Jânio parecia ser a solução.
Pelo menos parecia para as classes dominantes, porque sempre foi conservador e autoritário. Todos sabiam que ele não ameaçava com nenhum nacionalismo ou esquerdismo. Além do mais, seria apoiado pela conservadora UDN.
Parecia a solução para a classe média udenista, porque Jânio falava português com impecável gramática e isso mostrava que ele não se dirigia à “massa ignara”, mas às “pessoas de bem, instruídas, de bom gasto, que sabem o que é melhor para o país”: Além disso, vivia falando em moralidade pública, em instaurar auditorias e prender os corruptos, "botar os vagabundos dos funcionários públicos para trabalhar", em se tornar um administrador moderno e eficaz.
Jânio Quadros também parecia a solução para grande parte dos pobres. Impressionava com ternos escuros cheios de caspa no ombro, enquanto que as pessoas, fascinadas, apontavam: “Vejam, um homem do povo como nós, ele tem caspa no cabelo!” Realmente, um candidato que tinha algo na cabeça: caspa. Outra técnica eleitoreira de Jânio era, diante da multidão, abrir o paletó para tirar pão. Desses mesmos de padaria. Começava a comer um sanduíche. Não de presunto, mas de humilde mortadela. Bela imagem circense: “o homem sem vaidades, de hábitos espartanos como todos os verdadeiramente honestos, comida apressada de quem trabalha muito pelo Brasil”. No meio de um comício, Jânio desmaiava. “Oh! Que será que aconteceu? Coitado! Tanto sacrifício para enfrentar os poderosos, que não resistiu!” Como poucos, ele sabia o amor que o nosso povo devota aos políticos que aparecem como vítimas da injustiça. E então, de repente, qual Fênix ressurgida das cinzas, ressuscitava, forte, denunciante, vitorioso, na sua escalada invencível para o Palácio do Planalto!
Grande parte da população, já naqueles tempos de 1960, detestava partidos e políticos. Pois Jânio candidatou-se por um partido mixuruquíssimo, para que as pessoas acreditassem que era “o único que não tinha rabo preso”. Mas seria assim mesmo? Claro que não. Jânio Quadros montou um acordo aberto com a UDN. O próprio Lacerda, diria sem rodeios: “O caminho da UDN para o Palácio do Planalto passa pela eleição do Sr. Quadros para a presidência.”
Venceu fácil. Votação sensacional: 5,6 milhões de votos contra apenas 3,8 milhões de Lott (PSD + PTB). A UDN podia abrir mais garrafas de champanhe! Conseguiu eleger dois importantes governadores: Lacerda, na Guanabara (ex-Distrito Federal, depois que a capital foi transferida para Brasília), e Magalhães Pinto, em Minas Gerais.
Empossado na presidência, o sr. Jânio fez um governo estranhíssimo. Em pouco tempo conseguiu desagradar quase todo mundo. Em seguida, sem maiores explicações, renunciou.
Para controlar a inflação, Jânio propôs “austeridade”. No dicionário da burguesia nacional, essa palavra quer dizer salários congelados, apesar da inflação. O Brasil não mudara muito. Além disso, cortou gastos públicos. O que resultava em menos hospitais e escolas. O trigo e o petróleo perderam os subsídios. Assim, os preços do pão e da gasolina aumentaram em 100%. Quem gostou foi o FMI, que aplaudiu Jânio e prometeu emprestar dólares.
Claro que essas medidas irritavam a esquerda. Mas isso não interessava a Jânio, já que ele sempre as xingou mesmo. O problema, é que ele começou a tomar medidas estranhas que acabaram irritando seus próprios aliados direitistas da UDN.
Na verdade, o sr. Quadros tinha uma personalidade muito instável. Alguns até lançaram a hipótese de que seu governo teria sido movido a uísque. Afonso Arinos, ministro do Exterior, jurista conceituado e ligado aos udenistas, diria mais tarde: “Jânio na presidência era a UDN de porre.”
Talvez Jânio alimentasse um sonho megalomaníaco: aparecer na história como o maior líder independente do Terceiro Mundo. Nem de um lado, nem de outro. Mas será que naquele clima de Guerra Fria do começo dos anos 60 havia espaço para isso? Jânio nem se deu ao trabalho de avaliar. Dentro desse ideal de autonomia na política externa, reatou relações diplomáticas com a URSS e a China socialista. Claro que não tinha virado esquerdista. Era só uma aproximação comercial, que interessava a empresários brasileiros. O problema mesmo foi quando resolveu, sabe-se lá por que cargas d'água, condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul nada mais, nada menos, do que Ernesto Che Guevara (veja o quadro abaixo). Isso mesmo, num momento em que os EUA estavam furiosos com Havana, Jânio resolve condecorar um guerrilheiro comunista da Revolução Cubana. Pelo menos, conseguiu o que queria: aparecer nas páginas de jornal do mundo inteiro. Em compensação, a UDN e o Departamento de Estado norte-americano deram murros na mesa.
Jânio era contraditório. Mas sejamos imparciais. É preciso reconhecer que ele foi o único presidente, em toda a nossa sofrida história, que teve a coragem, o peito, a audácia, o ardor cívico e compromisso de patriota de tomar uma atitude que representava séculos de sonhos, reivindicações e batalhas do povo brasileiro. Jânio Quadros teve a honra, a glória nacional, de proibir terminantemente, em todo território nacional, doesse a quem doesse, a briga de galos! E, a partir daí, o país ficou irremediavelmente dividido em dois campos políticos inimigos opostos irreconciliáveis: os galistas e os antigalistas! A galinhagem foi total. Pois é, acredite se quiser. Com tanto problema sério para o presidente cuidar, ele perdia tempo com bilhetinhos proibindo brigas de galos. (Mais tarde, Tancredo Neves, que apostava em galos de briga, desproibiu os combates. Êta governantes sérios!) Proibiu também lama-perfume, uso de biquíni nas praias, corrida de cavalos no meio da semana e daí por diante.
Até que, de repente, depois de apenas sete meses de governo, resolveu renunciar à presidência. Como se renunciasse a um simples sanduíche de mortadela.
Qual a explicação para isso? Ele nunca deu. No máximo, acusava as “forças terríveis”. Porém, se pensarmos um pouco, entenderemos. Na véspera do ato, Lacerda, rompido com Quadros, deu uma entrevista na tevê acusando Jânio de estar preparando um golpe para instalar uma ditadura. Lacerda estava acostumado a fazer denúncias sem fundamento, mas parece que desta vez ele falava a verdade. O truque de Jânio era simples. Anunciou a renúncia esperando que o povo, consternado, gritasse “Volta Jânio!”. Além disso, repare a jogada, ele sabia que seu vice-presidente, João Goulart, era odiado pelos setores conservadores do empresariado e dos militares. A renúncia era uma verdadeira chantagem contra esses grupos poderosos: “Vocês querem que eu saia? Se eu sair, olha só quem assume: o Jango!” Ora, diante disso, ele acreditava que militares, burgueses e políticos correriam para ele implorando que ficasse no cargo. Então ele responderia: "Fico, mas sob minhas condições." E quais seriam as condições? Uma ditadura pessoal do sr. Jânio Quadros. O que Lacerda denunciava. O que JQ nunca quis explicar, porque era vergonhoso para ele.
Só que fez a coisa sem nenhum preparo. Apanhou todo mundo de surpresa. Só restou ao Congresso aceitar sua decisão. Assumia a presidência, provisoriamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili. Não obstante, a direita não queria a posse de tango. Agora, o país vivia uma crise política terrível. Estava à beira da guerra civil.


A crise da posse de João Goulart

Como é que se explica que Jânio, apoiado pela UDN, tivesse um vice que era do PTB, arquiinimigo dos udenistas? É que naquela época, além de votar para presidente, você também votava para vice-presidente. Mais ainda: podia votar em candidatos de chapas diferentes. As duas principais chapas eram Jânio e Milton Campos (um político da UDN) contra Lott e Jango, ambos do PTB. Muita gente votou na dobradinha Jan-Jan: Jânio e Jango.
João Goulart (1918-1976) pertencia a uma família de ricos fazendeiros gaúchos, nada tinha de esquerdista. Sempre foi a favor do capitalismo. Só não concordava com a selvageria do capitalismo brasileiro. Acreditava em reformas sociais. Inclusive a reforma agrária, apesar de pertencer a uma família de latifundiários. Quando ministro do Trabalho de Getúlio, propôs aumentar o salário mínimo em 1OO%, provocando um coro de protestos dos empresários. A direita jamais esquecerá este fato. Jango não se abalava. Herdeiro da tradição populista de conciliação entre a burguesia e o proletariado, quis o apoio do PSD e do PTB, mas também aceitou alianças com a esquerda e os comunistas. Este foi o grande problema: as contradições sociais eram muito fortes. A luta de classes, aguda demais. Naquele momento, não era possível conciliar como ele pretendia. Sua incompreensão destas contradições – elas próprias motivantes – redundaram na tragédia do golpe militar de 64.
Os setores mais reacionários odiavam Goulart. Quando Jânio renunciou, João Goulart (que o povo chamava carinhosamente de Jango) deveria assumir. A UDN esperneou. A direita militar ruminava contra. Os jornais O Globo e O Estado de S. Paulo faziam coro.
Jango estava na China, em viagem diplomática. Percebeu que não dava para voltar logo. Incendiaria o país. Prudente, aguardava os acontecimentos no Brasil.
Foi quando então se levantou a autoridade de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul. Brizola comandou a resistência a este golpe branco. Através da rede pela legalidade, reuniu dezenas de pessoas, rádios e jornais que defendiam a Constituição. Afinal, a Constituição era bem clara; estando a presidência vaga, quem assumia era o vice. Não havia o que discutir. Brizola não era o baderneiro, era o defensor das leis. Por sorte, contava com o apoio do general Machado Lopes, comandante do III Exército.
O impasse estava instaurado. A qualquer momento, tropas legalistas poderiam enfrentar as forças contra a posse. Haver a guerra civil? Na hora “H”, o Congresso deu um jeitinho. Jango poderia assumir, mas sem poderes, porque agora o Brasil passava a ter um Estado parlamentarista.

O Parlamentarismo (1961 – 1963)

Quem passava a governar era o primeiro-ministro, nomeado pelo presidente. Mas o parlamento tinha de aprovar a nomeação (com certeza, tinha de estar ligado aos partidos majoritários no Parlamento, ou seja, no Congresso Nacional), caso contrário o presidente teria que indicar outro nome.
O primeiro primeiro-ministro foi Tancredo Neves, experiente político mineiro do PSD. Para formar o gabinete (sua equipe de ministros), chamou uma porção de pessedistas e dois da UDN. Moderado, Tancredo visitou os EUA, falou mal do comunismo e voltou com a mala cheia de dólares emprestados para ajudar as oligarquias do Nordeste a se perpetuarem no poder no melhor estilo coronelista. Ficou pouco tempo no governo, e pouco fez além de liberar a briga de galos, que havia sido proibida por Jânio Quadros.
Para substituir Tancredo, Jango indicou outro mineiro, San Tiago Dantas (1911 – 1964), da ala moderada do PTB, ex-ministro do Exterior (cuidava da relação do Brasil com os outros países) de Tancredo. Mas na conferência da OEA (Organização dos Estados Americanos, espécie de ONU das Américas), em Punta del Este, os EUA propuseram a expulsão de Cuba. O diplomata brasileiro se absteve de votar, irritando a direita, que em San Tiago nada via de santo. Resultado: o parlamento vetou seu nome.
Surgiu então o nome do empresário e senador paulista Auro de Moura Andrade (1915 - 1982) para ser o primeiro-ministro. Agora, para você sentir o clima do que estava rolando no Brasil da época: simplesmente estourou uma greve geral de 24 horas nas empresas estatais (refinarias, trens, ônibus, estivadores) contra a nomeação de Auro, excessivamente conservador. Greve política, operários que cruzaram os braços para mudar um governo. Mostra da força do PTB e até do PCB para mobilizar politicamente massas operárias. Mas também - todos desconfiavam - sinal de que Jango dava um empurrãozinho nos sindicatos para pressionar o Congresso. As coisas estavam esquentando no país.
O jeito foi Jango nomear outro cara, desta vez aceito. Um político quase desconhecido do PSD gaúcho, que sonhava mesmo era em descansar na pedra: Brochado da Rocha (1910 - 1962). Antes de sair (entrou em seu lugar, Hermes Lima) ele propôs - e o Congresso aceitou - antecipar o plebiscito sobre o parlamentarismo para 1963. Ou seja, o povo é que iria decidir sobre os poderes de Jango.
Plebiscito é uma consulta popular. Uma eleição em que o povo não vota em candidatos, mas a favor ou contra certa proposta. Em 1963, um plebiscito deu esmagadora vitória ao presidencialismo (proporção de 10 por 1). Acabava-se o parlamentarismo. João Goulart finalmente ganhava plenos poderes presidenciais. Mas pouco pôde fazer. Meses depois seria derrubado pelo movimento militar de 1964.

As Reformas de Base

O presidente João Goulart acreditava que o país precisava de reformas de base. O problema é que elas mexeriam com os privilégios de muita gente poderosa no Brasil. Esses poderosos viram no golpe militar a barreira que manteria sua confortável posição.
Preste atenção nessas palavras, porque elas eram muito comentadas no começo dos anos 60: “reformas de base”. O Brasil inteiro falava delas. Jango, o PTB, os estudantes da UNE, o PCB e os sindicatos eram a favor. A UDN, grande parte do PSD, quase toda a imprensa, grandes empresários e militares conservadores eram contra. O país ficaria dividido até que um dos lados impusesse sua opinião com tanques de guerra.
A primeira das reformas de base era a sonhada reforma agrária. Não era possível que o Brasil, com extensões de terras gigantescas nas mãos de proprietários que nada plantavam, permitisse que milhões de famílias moradoras do campo passassem fome porque não possuíam nenhum pedacinho de terra para cultivar. Japão, França, Alemanha, e até México e China, já tinham realizado reforma agrária. Por que o Brasil não poderia fazer uma?
Para executar a reforma agrária, o governo confisca (toma) uma parte das terras do latifundiário, ou seja, o desapropria. Essa terra é dividida entre os sem-terra, que passam a ser pequenos fazendeiros. O problema era que a Constituição só admitia a desapropriação de terras em caso de utilidade pública, se o governo indenizasse os proprietários em dinheiro. Ora, simplesmente o Estado não tinha grana para indenizar tantos latifundiários. (Eram milhões de camponeses precisando de terra!) A não ser que indenizasse com títulos da dívida pública, ou seja, uma espécie de conta que o governo assume pagar, muitos anos depois, com juros. Mas aí seria preciso mudar a Constituição. E como mudá-la se o Congresso estava cheio de conservadores da UDN e do PSD? Um projeto de expropriação sem indenização em dinheiro foi vetado em 1963. Talvez aí estivesse um dos erros de Jango: ele avaliou que poderia deixar rolar os protestos populares que o Congresso, acuado, faria as leis. Porém aconteceria o contrário: a classe dominante, apavorada com os protestos, veria em Jango apenas um fraco incapaz de controlá-los. Pediria a cabeça do presidente.
Outra das reformas de base era a reforma urbana, que controlaria o valor dos aluguéis de imóveis e ajudaria os inquilinos a comprar a casa própria. A classe média alta, dona de mais de um imóvel, ficaria apavorada com a "ameaça comunista de tomar o que é dos outros".
As reformas de base também eram reformas políticas: direito de voto para analfabetos e de sargentos e patentes inferiores nas Forças Armadas. Naturalmente, os defensores das reformas de base imaginavam que esses grupos iriam despejar votos a seu favor. Os comandantes militares torceram o nariz para a idéia de sargentos, cabos e soldados votarem. Achavam que isso traria indisciplina para as tropas. As elites e a classe média também repudiavam o voto dos analfabetos, a quem consideravam "despreparados". Só estavam preparados para trabalhar, pagar impostos, passar fome e morrer pela pátria.
As reformas de base eram bem nacionalistas. Incluíam a proibição de empresas estrangeiras operarem em setores como os de energia elétrica, frigoríficos, indústria de remédios, refinarias de petróleo, telefones. Naquela época, os nacionalistas achavam que as empresas estrangeiras atuavam nesses setores pensando unicamente em seus lucros, pouco se importando com os interesses da nação. Por exemplo, a companhia poderia achar que teria prejuízo se instalasse telefones numa cidade do interior. Pois ela não arriscaria. Então, a cidade ficaria sem os telefones e pronto. O Brasil que continuasse nos tempo do boca a boca. Além disso, os nacionalistas argumentavam que não tinha cabimento a empresa estrangeira lucrar horrores e mandar esses lucros para fora do país, haja vista que uma empresa nacional poderia fazer o mesmo serviço e usar os lucros para reinvestir no crescimento da própria economia brasileira. Os nacionalistas achavam que a maioria das multinacionais exercia uma concorrência desleal, prejudicando os empresários nacionais. Ou seja, no fundo os nacionalistas viviam de uma ilusão: a de que haveria uma burguesia "nacionalista" pronta para apoiá-los. Nunca houve.
A reforma da educação era outro ponto importante, e tinha apoio da UNE (União Nacional dos Estudantes. Havia necessidade de mais escolas e universidades públicas de bom ensino. Os estudos deveriam ser voltados para os problemas nacionais do Brasil. Eis uma idéia que fez a cabeça de muita gente na época: no ensino, como em tudo, era preciso parar de copiar modelos estrangeiros e passar a pensar de forma brasileira os problemas nacionais. Quando a gente ouve gravações de shows da época, era muito comum o artista falar coisas do tipo “temos orgulho de ser brasileiros”. Pensar o Brasil, eis a meta. Mas, o que significava isso?
As reformas de base eram uma proposta para outro tipo de desenvolvimento capitalista nacional. Mas elas mexiam com muitos grupos poderosos. Grupos que não tolerariam perder alguns privilégios. Para mantê-los, recorreriam à mão armada do golpe militar.

O Populismo de João Goulart

João Goulart, do PTB, se considerava um herdeiro político de Getúlio Vargas. Seu plano político também era populista, Ele esperava que o Estado fosse o intermediário de um acordo nacional entre os militares, os intelectuais nacionalistas, a burguesia industrial nacionalista e os sindicatos.
Todo o plano furou.
A tal burguesia industrial "nacionalista" não se empenhou nem um pouquinho a favor da reforma agrária. Ela também nada tinha de nacionalista. Estava assanhada para montar negócios com as multinacionais,
Os militares se apavoraram com a agitação sindical. Para eles, Jango era incapaz de conter o avanço comunista.
Goulart realmente tentou usar os sindicatos a seu favor, Estimulou greves políticas para pressionar o Congresso, bajulou pelegos. Isso irritava demais a direita, que o acusava de querer montar uma "república sindical" ao estilo peronista, Para complicar, o movimento das trabalhadores estava ganhando autonomia.

A mobilização popular

Se você perguntar a uma pessoa que apoiou o golpe militar de 1964, ele provavelmente o justificará assim; "Você não sabe como era aquela época, Um horror, greve todos os dias. Nada funcionava. O país estava virando uma baderna, uma desorganização completa. Os militares vieram para botar ordem no país, salvaram a gente do caos."
Afinal, o Brasil estava ou não uma zona completa? Depende do ponto de vista. Vamos supor que você fosse um rico latifundiário. Podia ser que você precisasse de um favor do governo, tipo um financiamento camarada do Banco do Brasil. Como conseguir? Uma das possibilidades era sua associação de proprietários rurais pressionar o governo para obter ajuda. Que bom que sua organização podia te apoiar, não?
Se você fosse um humilde trabalhador rural, não teria tanta coisa assim. Até os anos 60 não existia nenhum sindicato rural no Brasil. As leis trabalhistas também não valiam no campo. Era um Brasil esquecido, abandonado, desprezado. Mas as coisas começaram a mudar.
Formavam-se as Ligas Camponesas. Elas organizaram milhões de camponeses nordestinos, gente que era dona de uma terra tão pequena (minifúndio) que não dava para sobreviver, trabalhadores que vigiam num pedacinho cedido pelo fazendeiro (eram moradores) e que arrendavam (pagavam aluguel pela terra) a preços cada vez mais cruéis, que tinham de trabalhar certos dias de graça (o cambão) para o senhor da terra. Em alguns lugares do Brasil, a agricultura já usava máquinas agrícolas e pesticidas. Ou então, o fazendeiro parava de plantar para criar gado bovino. Nos dois casos não precisava mais de tantos camponeses. Mandava os jagunços expulsarem os moradores das rocinhas. Pois as Ligas Camponesas, lideradas por um advogado pernambucano de idéias socialistas, Francisco Julião, organizavam esses homens na luta por seus direitos. Faziam greves, recusavam-se a sair das terras e, principalmente, exigiam do governo a reforma agrária.
Em Pernambuco, 1963, dezenas de milhares de trabalhadores das usinas de açúcar fizeram uma greve espetacular. Os jagunços caçaram líderes do movimento, socaram a cara para afundar os dentes, cortaram à faca, incendiaram barracos, deram tiros de revólver. Não adiantou. Os patrões tiveram de ceder. E, pela primeira vez, os empregados das usinas conquistavam o direito de ganhar o salário mínimo (que na época valia bem mais do que o de hoje).
Ponha-se no lugar de um latifundiário; para eles, a existência de ligas camponesas e de greves de trabalhadores rurais era sinônimo de organização ou de baderna? E para os camponeses, ter uma associação para defender seus interesses, era organização ou baderna?
Em 1963, Jango sancionou o Estatuto do Trabalhador Rural. Finalmente, as leis trabalhistas começavam a chegar ao camponês! Agora, a legislação obrigava o fazendeiro a pagar salário mínimo, assinar carteira de trabalho, garantir o repouso semanal e remunerar as férias. Ou seja, nada de radical, nada de criptocomunismo, nada de incendiário. Só um pouco de justiça.
Você acha que os latifundiários concordaram? Claro que não! Para eles, Jango era um terrível agitador, um desgraçado que esculhambava o país. Miguel Arraes, governador de Pernambuco, pela primeira vez botou a polícia do lado dos camponeses, do lado da lei. Por isso, era detestado pelos usineiros.
Acho que você entendeu o significado do golpe militar de 64. Dá para você perceber um dos motivos para que a história tantas vezes seja interpretada de modos diferentes, não é mesmo? Será que tantos pontos de vista significam mesmo que não é possível encontrar a verdade histórica? (Reflita sobre isso. Estes tipos de reflexões caracterizam uma História crítica.) Bem, para uma boa parte da classe trabalhadora, intelectuais, políticos de esquerda e estudantes, o Brasil não era uma baderna. Estava é ficando organizado como nunca esteve antes. As pessoas estavam descobrindo a importância de se associar para lutar por seus direitos, Em vez de lamentar suas misérias, erguiam-se e lutavam para acabar com elas.
E as greves? Elas eram muitas, como se dizia? Talvez essa pergunta não seja a melhor. O que cabe indagar é: o movimento trabalhista conseguia algum benefício? Realmente, apesar da inflação, os salários cresciam. As greves estavam se revelando importantes instrumentos de luta. Em 1962, foi criado o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), uma central sindical visando unificar as lutas do país inteiro. Para os trabalhadores, essas vitórias eram o resultado da organização operária. Afinal, depois de uma greve geral, foi aprovada a lei do décimo terceiro salário (1962). Para os empresários, tudo isso não passava de uma baderna promovida por sindicalistas irresponsáveis e fanáticos comunistas: "O Exército tem de acabar com esse abuso! O país precisa de ordem para os negócios prosperarem!"
A UNE vivia uma virada sensacional. Seu presidente em 1960, o goiano Aldo Arames, pertencia à AP (Ação Popular). O pessoal da AP vinha da JUC (Juventude Universitária Católica) e, em princípio, não era marxista. Na prática, namoravam cada vez mais o comunismo chinês. Até 1964, eles estariam na direção da UNE. Aliás, em 1963 o presidente da UNE era o paulista José Serra, anos mais tarde ministro neoliberal de FHC: o que as pessoas fazem com os ideais da juventude? Eles somem com o tempo, tal como as espinhas?
Naquela época os estudantes levavam muito a sério a luta política. A geração dos anos 60 e começo dos 70 acreditava que a luta política realmente mudaria o mundo inteiro. Por isso a UNE era tão importante e tão perigosa para os poderosos.
O pessoal da UNE acreditava que o ensino não podia ser elitista nem "alienado", como se dizia na época. A universidade precisava ser comprometida com as necessidades nacionais, formar pessoas capazes de pensar os problemas brasileiros em vez de ficar seguindo as instruções norte-americanas. Os conhecimentos não deveriam ficar presos à sala de aula e ao laboratório, eles deviam ser levados ao povo.
Dentro desses ideais, a rapaziada da UNE criou os CPC (Centros Populares de Cultura), nos quais se faziam representações de peças de teatro na rua, de autores como Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri, shows de música e poesia, sessões de cinema com filmes politizados (diretores como Eisenstein, Pasolini, Glauber Rocha), debates em praça pública e auditórios. Tudo com objetivo educativo: de modo divertido e fácil de entender, mostravam às pessoas nas ruas a necessidade de combater o "imperialismo norte-americano" e de defender as reformas de base. Ah, foram tempos cheios de idealismo da juventude... E hoje em dia, o que querem os jovens para o mundo? As espinhas serão mais importantes do que os sonhos?
No Congresso Nacional, a força de apoio de Jango era o PTB, segundo partido em tamanho. Brizola, por exemplo, tinha sido eleito deputado federal com a maior votação do Brasil (pela Guanabara! Prova de sua popularidade junto à antiga capital). A Frente Parlamentar Nacionalista unia os deputados e senadores favoráveis às reformas de base.
O problema é que Brizola não se entendia com o irmão de sua esposa, ou seja, o presidente da República do Brasil. Ele queria que Jango avançasse com mais ímpeto, fazendo a reforma agrária na marra, nacionalizando de cara vários monopólios estrangeiros. Para defender suas idéias, propunha que os militantes brizolistas se juntassem nos Grupos dos Onze que, entre uma ou outra partidinha de futebol com time completo, se fariam de sentinelas a favor das reformas de base. Sonhava em ser presidente e, para isso, deu força para o slogan "Cunhado não é parente. Brizola para presidente!". Na verdade, Brizola era considerado um "radical" por Jango e um "inconseqüente" pelos comunistas, sem falar no ódio hidrofóbico que provocava nos generais de extrema-direita. No fundo, Brizola não percebia que o confronto só favoreceria o lado da reação.
Apesar da liberdade de atuação (Prestes era uma figura pública, dava entrevistas e palestras), o PCB mantinha-se na ilegalidade. Para escapar da proibição da lei, os comunistas elegeram diversos deputados e vereadores pela legenda do PTB.
Como de costume, o PCB tinha enorme prestígio entre estudantes e sindicalistas. Mas a força dele ainda era bem pequena. Além disso, continuava a achar que o Brasil não estava preparado para o socialismo. Por isso, apoiava as reformas de base de Jango, que eram apenas uma melhorada no capitalismo nacional. Ou seja, esse negócio de que "comunistas estavam se infiltrando em tudo" era só uma paranóia da direita. Tinham força porque eram organizados e conscientes, mas eram relativamente poucos.
Talvez a melhor maneira de traduzir o clima intelectual e político do Brasil naquele começo dos anos 60 seja a descoberta de uma palavra manjadíssima e que foi inventada exatamente naquela época. Sabe qual é? O verbo conscientizar. Ele surgiu naquele momento porque expressava com perfeição o que os brasileiros estavam fazendo: o Brasil começava a pensar a si mesmo, começava a tomar consciência de seus problemas e de como resolvê-los por conta própria. Parecia que o país inteiro estava ficando mais inteligente. Em todos os cantos, nos botequins e salas de aula, nos papos da fila do ônibus, na saída do cinema, na praia, todo mundo tinha idéias novas, todo mundo queria descobrir o que estava errado com o Brasil. As pessoas acreditavam que era possível mudar muita coisa para melhor. As pessoas estavam se conscientizando.
É óbvio que as forças dominantes não dormiram de touca. A direita também tinha suas armas, seus soldados e generais - e não estamos dando nenhuma indireta boboca.


A reação da direita

O Brasil do começo dos anos 60 estava pegando fogo. De um lado, as forças da mudança, que apoiavam as reformas de base. Do lado contrário a potência do conservadorismo de direita.
Quem era contra o governo João Goulart? Em primeiro lugar, naturalmente, os latifundiários. Quando ouviam falar em reforma agrária tinham vontade de passar com o trator em cima de Jango. Os empresários também estavam irritados com as greves e com medo de serem obrigados a aumentar demais os salários dos empregados. Sem falar no pavor de o governo inventar impostos pesados sobre as grandes fortunas. Só de falar nisso, tinham vontade de passar com a Mercedes-Benz em cima de Jango. Aliás, Jango apostou que teria apoio do empresariado nacionalista. Triste engano: a burguesia brasileira estava assanhadíssima para ter relações com os capitalistas ianques. Mais do que um casamento, sonhavam longas noites de amor.
No Congresso Nacional, a UDN e outros deputados conservadores formaram a Ação Democrática Parlamentar para bloquear as reformas de base. Apesar de a Ala Moça do PSD (Ulisses Guimarães e outros) e a Ala Bossa Nova da UDN ( José Sarney, José Aparecido e outros) aceitarem um pouquinho das reformas de base, no final, grande parte do Congresso (inclusive essas figuras) estava em rota de colisão contra o presidente. Cada vez mais o PSD juntava as patas com as da UDN.
A classe média, geralmente udenista, tinha horror a um presidente que se aproximava dos trabalhadores. As greves que paralisavam os transportes e os serviços de luz irritavam demais. Acreditavam que os aumentos salariais só serviam para aumentar a inflação. Para piorar, ainda havia uma infâmia; "Com tantas greves e aumentos; qualquer dia desses um operário vai estar ganhando quase tanto quanto eu!" - exageravam os profissionais liberais. No fundo, o velho elitismo, o velho pavor de a empregada doméstica compartilhar o mesmo elevador, de o filho ter como colega de escola o filho de um operário, de a filha vir a namorar um pé-rapado.
A classe média balança como um pêndulo, ora para um lado, ora para o outro. Pequenos empresários, profissionais liberais e assalariados bem remunerados sabem que não são os graúdões, os capitães da indústria, os banqueiros. Mas sua instrução universitária, seus sonhos de consumo, os bairros onde moram, os afastam dos trabalhadores. Existe coisa mais maluca do que ouvir que' "Neste país, a classe média é a mais sacrificada?" Pois dizem isso com orgulho. Como se morar numa favela, pegar o trem lotado às cinco e meia da manhã, se enfiar numa fábrica fedorenta por horas a fio fosse um passeio em um carro zero...
As greves, os conflitos de classes cada vez mais agudos e as incertezas da política janguista deixavam a classe média desnorteada. A coisa era mais complicada do que telenovela. Os debates parlamentares com tantos discursos vazios e inúteis, a inflação que aumentava sem parar, os eternos escândalos de corrupção a faziam entrar em parafuso. E o que ela mais queria, como sempre, era segurança. A velha ilusão de que um governo autoritário traz a tranqüilidade. A classe operária e os camponeses que se danassem, o que importava é que a compra de um novo televisor estava salva. Trocou a liberdade pelo eletrodoméstico.
Uma pesquisa de opinião do Ibope, feita na véspera do golpe de 64, mostrou que a maioria dos brasileiros considerava bom o governo de Jango. Mas grande parte dessa maioria era de gente que não moveria um dedo para defendê-lo, ou seja, milhões de pessoas passivas, que ainda aceitavam o tratamento de carneiros.
Além da oposição sistemática da UDN, dos latifundiários, dos grandes empresários e da classe média, Jango ainda tinha de enfrentar a grande imprensa. Jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo eram implacáveis. O presidente aparecia como culpado de tudo de ruim que havia no país. Nas manchetes, coisas como "Jango é marionete nas mãos dos comunistas", "Querem uma república sindicalista", "País à beira do caos e da anarquia" eram comuns e faziam a cabeça das pessoas.
Havia sinais de mudança da Igreja. O papa João XXIII nas encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) atacava o comunismo mas defendia a necessidade de mudanças graduais na sociedade. O Concílio Vaticano II confirmou essas idéias e o novo papa, Paulo VI, deu sinal verde para o engajamento dos católicos em projetos de reformas não-socialistas. Alguns estudantes da JUC (Juventude Universitária Católica) tinham certa simpatia pelas idéias marxistas. Formariam a AP, de onde vieram os presidentes da UNE nos anos de 61 a 64. (Falamos disso há pouco, lembra?) A maioria do clero, entretanto, continuaria muito reacionária. Havia até a extrema direita, ligada a figuras tradicionalistas como Dom Castro Mayer e Dom Geraldo Sigaud, que trocava figurinhas como uma organização católica fascistóide, a TFP (Tradição Família e Propriedade). No Nordeste, os padres tentavam formar sindicatos rurais controlados pela Igreja e contrários às ligas camponesas. Na véspera do golpe, padres e freiras organizaram passeatas com milhares de pessoas apoiando uma intervenção militar.
Quem não estava gostando nem um pouquinho das travessuras de Goulart era o Departamento de Estado dos EUA. As propostas nacionalistas de controlar a remessa de lucros das multinacionais para o estrangeiro, de entregar à Petrobrás o refino de todo o petróleo e de estatizar diversas companhias norte-americanas eram muito desagradáveis para Tio Sam.
O grande fantasma da época foi a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro. Socialismo, guerrilha, Che Guevara, marxismo, essas coisas estavam virando moda entre os estudantes. E se na miséria nordestina surgissem focos guerrilheiros? Nos anos 60 e 70, no Brasil e em quase todos os nossos vizinhos latino-americanos foram dados golpes militares. Por trás, o pavor da repetição de Cuba.
No Brasil, a direita também se organizava. Na época das eleições, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) enchia as televisões, rádios e jornais com publicidade política a favor de candidatos udenistas ou semelhantes. Centenas de candidatos tiveram a campanha eleitoral financiada pelo IBAD, que por sua vez recebeu grana direta dos EUA (através da CIA) e de grandes multinacionais instala das no Brasil. Financiamentos ilegais, diga-se de passagem, Houve investigação e as provas apareceram. Mas Jango, querendo mostrar boa vontade com os EUA, mandou deixar para lá.
O IPES (Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais) planejava propagandas em veículos de comunicação atacando os comunistas, os nacionalistas e João Goulart. O embaixador norte-americano, sr. Lincoln Gordon, tinha uma estranha liberdade de movimentos e um comprido focinho para se meter em assuntos alheios a seu país, Freqüentava quartéis, ouvia os lamúrios servis de Lacerda, mandava recados para a imprensa. É óbvio que a embaixada tinha se tornado um covil de agentes secretos da CIA, agindo nos bastidores a favor de um golpe militar.

Os militares

Por que os militares deram o golpe? Para começar, por causa da própria formação deles. Nas academias, tinham aprendido que as greves, os protestos sociais, as manifestações populares eram uma "baderna" intolerável. Para eles, o que faltava ao país era a "disciplina", a "ordem", Felizmente, o general e o almirante não ficam desempregados, nem recebem o salário ridículo de um peão. Mas essa boa condição, infelizmente, dificulta um pouco o entendimento pleno do drama dos trabalhadores assalariados.
É bom lembrarmos que os oficiais tinham irmãos, primos, tios que geralmente vinham da classe média. Foi dela que absorveram importantes valores. Portanto, muitos foram educados numa família conservadora, que não tolera a "baderna do zé-povinho". E aí tinham simpatia pela UDN e rejeitavam a aproximação populista de Jango com os sindicatos.
Os militares, como tantos brasileiros decentes, se enojavam com a existência de políticos corruptos. Naquela época, começou a rolar a idéia de que "A honestidade é de cor verde-oliva", ou seja, a cor da farda do Exército. Para muitos militares e civis, o país só teria governos honestos quando o Estado estivesse nas mãos dos generais. Um triste engano, porque nas ditaduras é que a corrupção rola solta, já que a sociedade não consegue fiscalizar mais nada.
Nas escolas militares, havia uma doutrinação anticomunista fortíssima. Qualquer greve era vista como "armação dos comunistas contra o Brasil",
O mais difícil de aceitar era a influência dos EUA sobre a capacitação de nossos militares. Alguns dos melhores oficiais do Brasil fizeram cursos de aprimoramento com os americanos, inclusive na Escola do Panamá, fundada em 1951. Voltavam de lá com a lição de que "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil; o que é ruim para os EUA é ruim para o Brasil".
Aqui no Brasil, foi fundada em 1949 a ESG (Escola Superior de Guerra), Nela, desenvolveu-se a famosa DSN (Doutrina de Segurança Nacional), que fez a cabeça de muitos militares. Capacetes com idéias da Guerra Fria. Atenção: o golpe e a ditadura militar procuravam seguir os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, divulgados pela ESG. Diga-se de passagem, na ESG estavam as cabeças militares mais preparadas - daí o apelido de Sorbonne (nome da famosa universidade francesa). À sua testa, o general Golbery do Couto e Silva (1911 - 1987), bruxo intelectual do regime pós-64.
Afinal, o que é a DSN? Apesar do nome nacional, teve origem nos EUA. Vamos resumir suas idéias. Para começar, a DSN considerava que praticamente já tinha começado a Terceira Guerra Mundial. Isso mesmo que você leu. Já dá para ver o quanto ela tinha da paranóia da Guerra Fria. Pois bem, a tal guerra mundial era do Mundo Livre contra o Comunismo Internacional. O lado do bem era o dos valores da civilização cristã ocidental tais como a propriedade privada, o individualismo, o capitalismo, as liberdades, a democracia. O inimigo era o mundo do mal, "do ateísmo, da imoralidade, da socialização dos meios de produção, do Estado totalitário, da ditadura monstruosa dos comunistas".
Acontece que "essa guerra não era como as outras", Porque o inimigo raramente atacava de frente (como atacou na Guerra da Coréia, 1951-53, ou na Guerra do Vietnã, nos anos 60). Ele preferia a guerra subversiva, ou seja, infiltrava-se na sociedade para ir minando por baixo, sem ninguém perceber. Os terríveis agentes comunistas "penetravam, camuflados, nos sindicatos, no Congresso, nas entidades estudantis, nos meios intelectuais, na imprensa e até nos quartéis. Enfraqueciam a moral, destruíam a estabilidade do país, tumultuavam de propósito. O caos servia aos desígnios dos vermelhos. Porque o passo seguinte era a guerra revolucionária através de greves gerais, guerrilha, formações de sovietes até a tomada do poder, quando o amado Brasil se tornaria uma província escrava da Rússia".
Como você vê, uma simples greve operária, uma sessão de cinema seguida de um debate com a platéia, a publicação de um livro, tudo isso era visto como resultado da infiltração de agentes soviéticos, cubanos ou chineses. Achavam que até a maconha e as revistinhas com mulher nua eram trazidas pelos malvados bolcheviques, dispostos a destruir a moral e a saúde de nossos jovens. Alguém precisava salvar o Brasil! Esse alguém, óbvio, eram os militares sempre alerta.
Acontece que a DSN não era apenas negativista, no sentido de querer negar, destruir uma situação. Ela tinha um lado construtivo, ou seja, propunha criar um novo país. Atenção para isso, porque era a mostra de que os militares pretendiam ficar muito tempo no governo.
A DSN ligava-se à uma visão geopolítica. A geopolítica foi inventada pelo imperialismo alemão no final do século XIX. Sua idéia é a de que o destino de um país se relaciona com suas condições geográficas. O general Golbery do Couto e Silva, especialista em geopolítica, cabeça-chefe da DSN brasileira, dizia que o Brasil, país gigantesco com população crescente, tinha o destino de se tornar a grande potência capitalista do Cone Sul. Para isso, os militares assumiriam a direção do país, mobilizando todos os recursos econômicos, políticos, psicossociais e militares. Era o binômio Segurança e Desenvolvimento, lema bem parecido com o velho “Ordem e Progresso” dos positivistas republicanos. De certo modo, também, a consagração dos velhos ideais tenentistas dos anos 2O, não é mesmo?
Pois só faltava a gotinha d'água para os militares agirem. Ela viria com a rebelião dos marinheiros e o famoso Comício da Central do Brasil.

O golpe militar de 1964

As lutas de classes chegaram ao ponto mais agudo. Valia tudo, até mesmo calúnias e baixíssimo nível. Madames subiam às favelas para alertar que "com Jango, em breve o comunismo vai mandar no Brasil. Aí, o Estado vai tomar tudo dos pobres, inclusive os filhos, que serão enviados para Moscou e nunca mais voltarão". Panfletos espalhavam que Jango baixaria um decreto ordenando que os moradores dividissem seus apartamentos com os favelados. Os famintos desceriam o morro aos gritos de "isso aqui é nosso!" para ocupar as casas das pessoas de bem. As solteironas se arrepiavam de medo dos curradores bolcheviques, com aquelas barbas cubanas, charutos enormes com a ponta em brasa, gritos selvagens de cossacos russos, exalando hálito de vodca e terríveis olhares de anos de leitura leninista misturados com a cobra pela propriedade alheia.
Brizola foi convidado a proferir uma palestra sobre “reforma agrária” em Minas Gerais. Não conseguiu. Um coro de senhoras e senhoritas, rezando o temo, pedia a Deus que livrasse o Brasil do comunismo e da reforma agrária. Como se Jesus fosse o paladino da desigualdade social!
Jango resolveu apresentar sua última carta: as reformas de base teriam de passar "por bem ou por mal", como se dizia. No dia 13 de mamo de 1964, apesar do feriado decretado de surpresa pelo governador Lacerda, um oceano de centenas de milhares de pessoas compareceram ao célebre Comício da Central do Brasil. Perto dali (estação de trens da Central, no Rio de Janeiro), ficava o Ministério da Guerra, com a estátua de Caxias olhando grave para aquelas faixas xingando Lacerda e os gorilas (generais golpistas), exigindo a reforma agrária, ao lado das inconfundíveis bandeiras vermelhas com foice e martelo. No comício, da bela e jovem esposa, João Goulart anunciou que estava enviando ao Congresso as primeiras reformas de base: expropriação de latifúndios improdutivos, nacionalização das refinarias de petróleo. A galera foi ao delírio de felicidade, sem ter noção de que em duas semanas Jango seria derrubado.
Meia dúzia de dias depois, foi a vez de a classe média paulista dar o troco. Associações de donas de casa, esposas de maridos com altos vencimentos mensais, damas da alta sociedade - preocupadas com as unhas, os vestidos da Maison Chanel e o comunismo -, pastores evangélicos, gigolôs, comerciantes, policiais, bicheiros, amantes de esposas de maridos com altos vencimentos mensais, associações de solteironas encalhadas, grupos de defesa dos cachorrinhos de pelúcia e demais organizações representativas mobilizaram milhares de fanáticos nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Rezavam para que Deus preservasse os nossos valores; o latifúndio tão eterno quanto o Espírito Santo, as contas bancárias dos devotos do capital, a virgindade das mocinhas de família, a boca desdentada dos meninos favelados.
O toque final foi provocar as Forças Armadas. Os marujos da Marinha de Guerra criaram uma associação para defender seus interesses, quase um sindicato. Coisa absolutamente proibida pelos comandantes. Seu líder, o cabo Anselmo, era um sujeito estranho que adorava radicalizar. Parecia que gostava de ver o circo pegar fogo. Hoje, sabe-se o motivo. Cabo Anselmo já confessou que era um agente da CIA (serviço secreto dos EUA). Triste ironia da história; enquanto os almirantes caçavam e não encontravam agentes da KGB (espionagem da URSS), por debaixo das barbas deles havia um cara plantado pela CIA com a função de trans bordar o balde da paciência dos comandantes militares brasileiros.
Pois o ministro da Marinha proibiu que os marinheiros comemorassem o segundo aniversário de sua associação. Mesmo assim, eles fizeram a festa, lá na sede do sindicato de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Para puni-los, deslocaram-se fuzileiros navais para a área. Mas em vez de prender os marinheiros, confraternizaram-se. Tal como no famoso filme O Encouraçado Potemkim. Por fim, os marinheiros se renderam porque tiveram a promessa de anistia de Jango, que foi cumprida. As Fonas Armadas jamais perdoariam o presidente por ter permitido O desrespeito à hierarquia militar.
A esquerda parecia não ver as nuvens pesadas no ar. Prestes deu entrevista dizendo que o PCB cortaria a cabeça dos gorilas (generais golpistas) caso tentassem algo. Pois eles tentaram...
No dia 31 de mano de 1964, o general Olímpio Mourão Filho botou o cachimbo na boca, deu umas baforadas, encheu o crânio de fumaça e precipitou o golpe. Tinha o apoio do governador mineiro (e banqueiro) Magalhães Pinto. Na Guanabara, Lacerda entrincheirou-se no Palácio Guanabara, aguardando O ataque dos fuzileiros navais liderados pelo comandante Aragão. Não houve ataque nenhum. Não houve choque militar, Não houve nenhum bloqueio.
Jango voou de Brasília para Porto Alegre. De lá, percebeu que a resistência faria correr o sangue dos brasileiros. Preferiu se exilar no Uruguai. Mas antes mesmo de renunciar, o senador Auro de Moura Andrade já anunciava o novo presidente: Ranieri Mazzilli, da Câmara dos Deputados.
Agora, curiosa coincidência, no momento em que os militares deram o golpe, havia uma força-tarefa da Marinha de Guerra norte-americana rumo à costa brasileira, incluindo porta-aviões, fragatas com mísseis, fuzileiros, o diabo. Operação secreta Brother Sam: se o golpe brasileiro não fosse vitorioso, nossos amiguinhos ianques dariam uma fona para os generais patrióticos verde-amarelos. Como é que sabemos disso? Porque os EUA são um país curioso: eles mesmos, alguns anos depois, revelaram ao mundo os documentos secretos da operação. Vantagens da democracia.


O significado real do golpe e da ditadura militar

Os militares tinham o projeto de mudar o Brasil profundamente. Por isso, chamaram o golpe de “Revolução de 1964”, Mas uma verdadeira revolução só acontece quando se muda radicalmente a estrutura econômica e política da sociedade. Por exemplo, a Revolução Francesa de 1789, que destruiu o sistema feudal e o absolutismo monárquico. Ou a Revolução Cubana de 1959, que acabou com o latifúndio e o poder das elites guiadas pelos EUA. No Brasil, a estrutura econômica continuou a mesma: capitalismo, latifúndios, forte presença do capital estrangeiro, Na estrutura política, o principal foi preservado: a burguesia continuava no poder. Apenas não o exercia diretamente, mas sob a proteção dos militares.
É um grande erro achar que o governo autoritário implantado em 1964 foi uma ditadura sobre toda a população, Ou que o poder político ficou todo na mão dos militares.
Ora, nós já vimos quem desejava a derrubada de Goulart; aqueles que se sentiram prejudicados pela organização popular e pelas Reformas de Base - os latifundiários, os grandes empresários, as multinacionais, os EUA. Vários historiadores e sociólogos já se fartaram de provar que foram eles que bolaram o golpe. Ou seja, Jango foi derrubado por uma conspiração conjunta de militares e também de civis.
Os militares foram os executores. Fizeram o serviço pesado. Mas os principais beneficiados com o regime militar foram os grandes empresários, Eles eram ministros, assessores, secretários. Viviam nos gabinetes em Brasília, pedindo favores, aconselhando, pressionando militares. O fato de a ditadura obrigar os trabalhadores a ficarem quietos deixou o campo livre para o mais selvagem dos capitalismos.
Na verdade, o regime militar foi uma ditadura militar e civil, Porque os civis foram a maioria dos governadores e prefeitos de capitais, havia um partido político que apoiava o regime (a Arena) e os ministros da área econômica (fundamental) eram todos civis. É ridículo achar que todos os militares foram corruptos. Ao contrário, a maioria dos generais, coronéis e almirantes não roubou dinheiro público. E se a gente pegar todo o dinheiro ganho pelos oficiais, incluindo as eventuais roubalheiras, certamente não chegará aos pés do que uma única multinacional lucrou no mesmo período.
Não podemos olhar a história de forma maniqueísta, achando que ela se reduz a uma briga entre os mocinhos e os bandidos. Claro que isso não quer dizer que não exista verdade, que qualquer interpretação da realidade seja válida ou que devamos aceitar tudo o que aconteceu. Mas nos alerta contra as simplificações. O que queremos dizer com isso? Que os militares não derrubaram Jango e implantaram uma ditadura porque queriam fazer do país um campo de caça para o capitalismo selvagem. Sim, a ditadura teve momentos de desrespeito aos direitos humanos e de exploração brutal do povo trabalhador, Mas nem todos os militares sabiam disso, vários deles acreditaram que estavam sendo patriotas, uns nem achavam que haveria uma ditadura, Pensaram que estavam evitando uma ditadura comunista ou uma ditadura de Jango (temiam que ele e Brizola fechassem o Congresso implantando algo parecido com o Estado Novo). Outros, orientados pela DSN, acreditavam que o novo regime iria beneficiar o Brasil.
As Forças Armadas planejavam a modernização econômica do Brasil, embora feita autoritariamente, Mas uma ditadura reprime ou incentiva a corrupção e a exploração do povo?
Karl Marx dizia que não se pode julgar uma pessoa a partir do que ela pensa sobre si mesma. O que vale para os regimes políticos, O projeto militar modernizou a economia mas favoreceu principalmente as elites. Foi isso que aconteceu, mesmo que não houvesse essa intenção. Portanto, aconteceram muitos erros, O passo inicial já era equivocado, Conhecer esses erros é uma arma de luta contra os que nos querem condenar a repeti-los.